Osama bin Laden pode estar bem perto daqui

Segundo comandante da Polícia de Fronteira afegã, ‘todo mundo sabe que ele está no Paquistão’ 

ASADABAD – Reza a crença popular na província de Konar, oeste do Afeganistão, que, se você matar um kafar, ou seja, um não-muçulmano, vai direto para o paraíso. Nos últimos tempos, kafars não têm se aventurado por essas bandas, mas os afegãos e árabes que se instalaram aqui se viram com o que tem. Dia e noite, integrantes da Al-Qaeda, taleban e milicianos do líder fundamentalista Gulbuddin Hekmatyar castigam Asadabad, a capital da província, com mísseis terra-terra de fabricação chinesa e granadas propelidas por foguetes, as temidas RPGs, além de minas colocadas nas estradas.

Aqui, cerca de 400 árabes da Al-Qaeda fundaram seu novo santuário há três anos, depois de fugir das montanhas de Tora Bora, fustigados pelos americanos. A 50 quilômetros de Asadabad, a Al-Qaeda e os taleban ocupam um vila de 8 mil habitantes, chamada Koran Gal. Entre os comandantes está o molui (líder espiritual) Abder-Ramin, que comandava a região na época dos taleban.

Bem ao seu gosto, a região é cortada por uma cadeia de montanhas, a Kashmund, separando o Afeganistão de uma área autônoma em território tecnicamente paquistanês, dominado pela tribo Safi, de etnia pashtun, a mesma dos taleban. No interior dessa cadeia de montanhas, crivada de túneis e cavernas, os membros da Al-Qaeda e seus companheiros transitam de um lado para outro.

“Osama bin Laden pode estar bem perto daqui, mas do lado paquistanês”, estima o brigadeiro Ahmad Shah, comandante local da Polícia de Fronteira, cuja patente é equivalente à de coronel. “Todo mundo sabe que os líderes dos taleban e da Al-Qaeda estão se escondendo no Paquistão. Temos relatórios do serviço de inteligência que mostram a movimentação deles do outro lado da fronteira.”

“Se soubéssemos onde Bin Laden está, iríamos lá pegá-lo”, disse ao Estado o general David Barno, comandante das tropas americanas no Afeganistão. Barno elogiou a cooperação, nas últimas semanas, das forças de segurança paquistanesas, do outro lado da fronteira, exatamente nessa região.

Há duas semanas, o serviço secreto americano instalou um radar que detecta a movimentação terrestre nos 4 postos de fronteira que ainda estão abertos nessa região (outros sete foram fechados). Quando perceberam para que servia o equipamento, conta Shah, tanto o Exército paquistanês quanto os terroristas o atacaram. “Temos testemunhas que dizem que o primeiro ataque, há uma semana, foi do Exército paquistanês”, afirma o brigadeiro. O segundo foi de um dos grupos terroristas que atuam em conjunto na região. Dois soldados ficaram feridos.

“Toda noite temos confrontos com eles”, relata Shah. Segundo ele, nos últimos três anos, 24 soldados afegãos foram mortos e 37 ficaram feridos nesses confrontos. O brigadeiro não sabe dizer quantas foram as baixas dos americanos, que mantêm uma grande base nos arredores de Asadabad.

Ao meio-dia de quinta-feira, enquanto o Estado conversava com o brigadeiro no quartel-general da polícia, dois mísseis foram disparados das montanhas no flanco sudeste da cidade. Imediatamente, dois helicópteros do Exército americano que já sobrevoavam a região começaram a vasculhar a área de origem dos disparos. O trânsito de veículos Humvee, com metralhadoras montadas sobre eles, também era intenso, ao lado das patrulhas do Exército e da polícia afegãos.

Os ataques se intensificaram nos últimos dois meses, com a aproximação da eleição presidencial de ontem, que os terroristas pretendiam sabotar. Segundo Shah, cerca de 40 terroristas chegaram à área para reforçar as operações de sabotagem das eleições. “A população local nos apóia”, garantiu o comandante. “Só em Koran Gal é que quem se opuser a eles é morto.”

“Não nos preocupamos com a situação”, diz Khal Mohammed, dono de uma loja de autopeças no bazar de Asadabad. “Somos afegãos. Isso é normal para nós.” Mohammed diz que na cidade continuam vivendo muitos ex-integrantes do governo local dos taleban. “Antes eles eram taleban. Hoje são pessoas normais”, explicou o comerciante.

A província de Konar tem mais de 600 mil habitantes. O governo distribuiu 177 mil cédulas eleitorais. “Não conseguimos entregar nas montanhas”, lamenta o brigadeiro. A polícia de fronteira conta com 309 homens. Há ainda 250 soldados do novo Exército Nacional Afegão, treinados pelos americanos. Pelo menos um batalhão (300 homens) do Exército americano está estacionado no local, com apoio permanente de helicópteros.

Na sexta-feira e no sábado, Asadabad mergulhou num toque de recolher 24 horas por dia, proibindo o movimento de carros. A entrada da cidade é controlada com uma cancela. Os guardas revistam os carros e perguntam aos motoristas aonde vão e o que pretendem fazer. “Vocês parecem pessoas boas”, disse um deles ao motorista e ao intérprete afegãos que acompanhavam o repórter do Estado, depois de examinar a credencial dada pelo governo afegão. “Podem ir. Espero que não vão destruir seu país.” 

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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