Guo Zhongyu desembarcou ontem à tarde no aeroporto de Xangai, vindo de Chicago, e pegou o primeiro ônibus para Kunshan, 140 quilômetros a oeste.
KUNSHAN, China – Engenheiro mecânico de 40 anos, graduado pela Universidade de Zhejiang (província do sudeste) e doutor pela Universidade A&M, no Texas, Zhongyu, que mora há 16 anos nos Estados Unidos, vem a seu país uma vez a cada dois meses. Gerente-geral para a China da fábrica americana de filtros industriais Transor, ele vem visitar seus clientes na costa leste do país.
No ano passado, eles representaram 20% do faturamento de US$ 10 milhões da unidade americana da Transor (que também tem unidades na Suécia e na Alemanha), segundo Zhongyu líder mundial de filtros de reciclagem de óleos usados por máquinas que cortam com carbeto, o minério mais duro depois do diamante. Como o carbeto é muito caro, os filtros são importantes para reaproveitar resíduos do minério que escorrem no óleo das máquinas. Este ano, os clientes chineses da Transor já compraram US$ 2 milhões, e devem aumentar, como fazem ano a ano, a sua fatia no faturamento da unidade americana, chegando a no mínimo 30%, estima Zhongyu.
Os chineses inundam o mundo com seus produtos industriais baratos, mas algumas fábricas de máquinas e equipamentos – os chamados bens de capital – como a Transor invertem a mão: exportam para a China. Desta vez, no entanto, Zhongyu, ou Jonathan (todo chinês adota um nome em inglês quando se relaciona com o Ocidente) não veio para vender. Sua missão é abrir um escritório de representação da Transor no pólo industrial de Kunshan, que deverá evoluir para uma fábrica de filtros.
“Este é um passo muito grande para nossa companhia”, diz Zhongyu. “A economia dos Estados Unidos se desacelerou, e decidimos vir para cá para recuperar nossas perdas. A economia chinesa continua em boom, e queremos aumentar nosso mercado aqui.” A China, diz o executivo, já não atrai mais fábricas tanto pela mão-de-obra barata, mas sim pelo seu crescente mercado interno.
Entretanto, Zhongyu explica que o plano não é só vender para o atraente mercado chinês: a fábrica da Transor em Kunshan poderá fornecer filtros para o Japão, a Coréia do Sul e a Índia, e até mesmo para os Estados Unidos e o Brasil, diz ele. Como tem um executivo chinês, a Transor acredita que não precisará de parceria com uma estatal chinesa – como têm feito milhares de empresas estrangeiras que se instalaram aqui, inclusive dezenas de brasileiras, como a Embraco e a Embraer.
A missão de Zhongyu é o flagrante de uma transformação no capitalismo (ou “socialismo com características chinesas”) desse país. Para deixar de ser uma base de exportação de produtos industriais de baixo valor agregado e uma montadora de peças com desenho, tecnologia e patente estrangeiras, a China precisa começar a fabricar os seus próprios bens de capital. Claro que esse é apenas um estágio. Afinal, os filtros da Transor continuarão a ter patente americana. Mas é mais um passo rumo à construção de marcas chinesas de qualidade. Depois de alcançar isso, a China se tornará a maior potencial industrial do mundo.
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