Brasil troca commodities por investimentos

Ferrovias e portos construídos pelos chineses serão pagos com ferro e soja

XANGAI – O libanês Mohamad Laila, diretor da New Brasil Importação e Exportação, de São Paulo, circulava ontem de manhã pelo Hilton Hotel com um sorriso otimista nos lábios. “Participei de uma reunião com o setor moveleiro da China”, contou Laila, que tem uma loja de móveis em São Bernardo do Campo. “Estamos tentando levar dez fábricas chinesas de móveis para a Amazônia.”

“E fábricas brasileiras na China?”, perguntou um interlocutor. “Não, eles só querem minério de ferro e soja do Brasil.”

O esquema se reproduziu com certa regularidade em outros ramos. Com exceção das fábricas da Embraer e da Embraco na China, e da exportação de alguns produtos brasileiros de maior valor agregado, a relação entre os dois países é marcada por um desequilíbrio visível: é a China quem investe no Brasil e lhe vende produtos envolvendo mais tecnologia.

Dificilmente alguém reunirá coragem para criticar a atração de investimentos estrangeiros – quaisquer que sejam as condições -, mas o fato é que os projetos de investimentos chineses em ferrovias e portos, da ordem de US$ 4 bilhões, a serem pagos com minério de ferro e soja, remetem ao Brasil do século 19, quando a Inglaterra construía estradas de ferro e fornecia trens em troca de carne brasileira.

O governo brasileiro está consciente desse risco, diz Luiz Eduardo Melin, diretor de Comércio Exterior do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Às vezes, o fascínio de receber investimentos é tão grande, que as pessoas perdem de vista o que querem gerar, em termos de emprego e renda”, afirma Melin. “Muito daquilo que foi chamado de investimento ao longo dos últimos dez anos no Brasil não foi investimento direto, mas aplicação em ativo”, acrescentou o economista, recusando-se a entrar em detalhes.

Para ele, se os chineses “não vierem com a cabeça de trader”, ou seja, de comprador de matéria-prima, “mas de investidor de médio e longo prazo”, não haverá esse problema. “Não queremos o espírito segundo o qual eles trazem o dinheiro e podem fazer o que quiserem”, declarou Melin. “Para não sufocar a indústria de base brasileira, temos que ver com extremo cuidado e conversar com o Ministério do Planejamento e entidades como a Abdib (Associação Brasileira das Indústrias de Base).”

O Itamaraty também se mostra consciente desse tipo de risco. O chefe da Divisão de Promoção Comercial, Mário Vilalva, acha que o Brasil não deve repetir o tipo de aproximação comercial ocorrida com o Japão há três décadas, na base da troca de matérias-primas por produtos eletrônicos. Mas, com o crescimento brutal da economia chinesa, de 8% na média anual e 9,1% no ano passado, e a crescente escassez de alimentos e insumos no país, o tom da viagem raramente escapou dessa equação.

“Acho que esta viagem do presidente Lula tem muita semelhança com a do presidente Richard Nixon em 1972”, avaliou o presidente do Brasilinvest, Mário Garnero, que está criando uma empresa junto com o conglomerado chinês Citic, para a prospecção de investimentos em infra-estrutura no Brasil.

“Depois daquela viagem, a China elegeu os EUA como mercado preferencial e deu um salto extraordinádio baseado no saldo comercial”, lembrou o empresário. “Lula percebeu a necessidade de expansão do comércio e dos investimentos, em troca da garantia, que o Brasil pode oferecer, de abastecer a China pelos próximos 20 anos.”

Ao se abrir para o mundo, nas últimas duas décadas, a China aproveitou para atrair investimentos diretos, incluindo fábricas de alta tecnologia, que ela vem assimilando e copiando, dando origem às primeiras fabricantes e exportadoras chinesas de produtos de maior valor agregado, como eletroeletrônicos, máquinas e equipamentos, etc. Se o Brasil repetirá a experiência chinesa, dessa vez usando a China como um de seus trampolins, é algo que possivelmente só o tempo dirá.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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