Medida mostra que prioridade é manter crescimento econômico, do qual o regime depende
A China desvalorizou o yuan (ou renminbi, o nome oficial da moeda chinesa) em 2% nesta terça-feira. Foi a maior desvalorização desde 1994, quando o governo chinês adotou um sistema de conversibilidade para a moeda. É uma resposta das autoridades chinesas à desaceleração da economia e à queda dos valores das ações das empresas do país. O governo teme não conseguir atingir sua meta de crescer 7% este ano.
As exportações chinesas caíram 8% no mês passado, em comparação com julho de 2014. As principais causas, na avaliação da equipe econômica chinesa, são a desvalorização de moedas em países exportadores rivais da região, como Coreia do Sul e Taiwan, e o aumento dos salários na China, sobretudo em indústrias intensivas em mão de obra, como têxteis e calçados. A China é vítima de seu próprio sucesso, já que a valorização da mão de obra é uma decorrência da industrialização e da urbanização.
A intervenção no yuan dificulta, no entanto, o alcance de um outro objetivo do país: transformá-lo numa moeda de referência internacional, como o dólar e o euro. O próprio governo brasileiro tem demonstrado interesse nesse projeto, de impulsionar a elevação de outras moedas a esse patamar, em especial a da China, seu parceiro no grupo Brics. No entanto, uma das condições impostas pelo FMI para brindar o yuan com esse reconhecimento é a livre flutuação da moeda segundo as leis do mercado, liberando-a das intervenções diárias do Banco Popular da China.
Todas as manhãs, na abertura dos negócios, o BC chinês anuncia qual deve ser o valor médio do yuan naquele dia. Nesta terça-feira, o yuan fechou no mercado de câmbio chinês a US$ 6,3231, desvalorização de 1,9% em relação à cotação da véspera. Nos outros mercados asiáticos, o yuan terminou o dia valendo em média US$ 6,36, uma queda de 2,7% em relação à segunda-feira, o que significa que o mercado espera mais desvalorizações por parte do governo chinês.
O valor do yuan tem uma forte conotação geopolítica. Os Estados Unidos e a União Europeia acusam a China de manter seus produtos industriais competitivos e assim “roubar empregos” dos outros países impedindo a valorização da moeda – além da falta de direitos trabalhistas e de preocupações com o meio ambiente. Em resposta a essas pressões, e para evitar sanções comerciais, além de distorções dentro de sua própria economia, a China tem permitido uma gradual valorização da moeda, que acumulou alta de 25% em relação ao dólar desde 2005, quando o yuan deixou de ter câmbio fixo. A medida desta terça-feira mostra, no entanto, que o yuan continuará sendo controlado pelas autoridades chinesas e servindo como ferramenta central de suas políticas econômicas. Em última análise, o crescimento econômico é uma questão de sobrevivência para o regime de partido único chinês. Em minhas idas à China, ouvi que não haveria fortes pressões por democracia enquanto houvesse prosperidade, e ascensão das camadas mais pobres para a classe média. Soa familiar? As aflições dos amigos em Brasília estão aí para mostrar que Pequim não deve mesmo descuidar.
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