Economista chinês critica o modo como o seu país atrai investimentos externos
Zhiyuan Cui achou graça quando chegou ao Brasil, na tarde de segunda-feira, e ouviu pela primeira vez o slogan “exportar ou morrer”. Embora não a tenha enunciado, o governo chinês vem aplicando essa fórmula há mais de uma década. Na visão desse economista do Massachusetts Institute of Technology (MIT), no entanto, a situação hoje da China praticamente inverte essa equação: expandir o mercado interno ou morrer.
Cui, graduado em Ciência Política e Economia pela Academia de Ciências de Pequim, com doutorado pela Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, onde vive desde 1988, não tem nada contra exportar e atrair investimentos estrangeiros diretos (IEDs), que proporcionam à China a segunda maior reserva externa, depois do Japão: US$ 182 bilhões. Mas o economista chinês, que participou ontem do seminário “China, Índia, África do Sul, México e Brasil: Estratégias de Integração e Desenvolvimento”, critica a maneira como a China os obteve.
Pela lei chinesa, as empresas que exportam mais da metade de sua produção usufruem de isenção tributária, incluindo o imposto de 10% sobre a remessa de lucros para as matrizes no exterior e as tarifas de importação de equipamentos e componentes. Têm também mais fácil acesso ao crédito nos bancos chineses, a juros mais baixos.
Para bancar a formidável renúncia fiscal, diz o professor do MIT, o governo tem imposto pesada carga tributária, incluindo tarifas de importações, sobre as empresas e os agricultores que produzem para o mercado interno. Num círculo vicioso, esses impostos, ao incidir sobre os preços internos, inibem a demanda interna e reforçam a dependência dos setores produtivos ao mercado interno.
A transferência de recursos que sustenta a política de incentivos às exportações se reflete numa queda do crescimento da renda. Esse índice foi de 7,9% em 1985, cresceu para 9% em 1996 e caiu para 4,6% em 1997 e para 3,5% em 1998. E na queda do consumo da população rural, que representa 69% da população total. Em 1985, a população rural consumia 58% do total; em 1996, caiu para 43% e em 1997, para 40%.
A dependência se retroalimenta também por causa da lógica interna dos IEDs. Cui observa que o ingresso de investimento direto cria uma demanda crescente de mais e mais capital externo, para financiar o respectivo envio de lucros. Segundo o modelo criado por Michal Kalecki, se uma dada quantia de investimento gera lucros de 15%, dos quais 5% são reinvestidos na produção e 10% enviados para a matriz, dentro de seis anos, será necessário o dobro de IED para manter um resultado positivo no fluxo líquido de capital.
A dependência chinesa do ingresso de capital se agravou depois da crise asiática de 1997 e 1999, observa Cui, quando países como a Tailândia e a Coréia do Sul desvalorizaram suas moedas. A competitividade e, com ela, as exportações chinesas, caíram desde então. Entretanto, diz o economista, a China não tem a alternativa de desvalorizar sua moeda.
Segundo a teoria econômica, um país tem de contar com pelo menos dois dos três fundamentos: autonomia na política monetária, para expandir a liquidez em caso de recessão e retraí-la,em caso de inflação; livre fluxo de capitais e estabilidade cambial. A China tem o primeiro, mas não o segundo. Somente o fluxo de capital vinculado às exportações e importações é livre. Portanto, o país precisa de câmbio estável.
A situação se torna mais crítica na medida em que a desaceleração da economia mundial se reflete numa redução não só das exportações chinesas, mas também do ingresso de IEDs. Depois de passar de US$ 3,49 bilhões, em 1990, para US$ 45,5 bilhões, em 1997, esse ingresso caiu, no ano passado, para US$ 40,8 bilhões.
Diante disso, Cui acha que a China precisa reorientar a política econômica para a desoneração e a expansão do mercado interno. O ingresso do país na Organização Mundial do Comércio, ainda este ano, poderá ter esse efeito colateral, espera o economista. Ao se ajustar às regras da OMC, a China terá de rever os incentivos fiscais e os subsídios na forma de crédito às exportações.
O governo chinês quer entrar na organização, ao custo dessas concessões, pelo simbolismo político e pela oportunidade de influir na criação das regras. Mas o ingresso da China na OMC poderá, paradoxalmente, levar o país a exportar menos, importar mais e produzir mais para o mercado interno.
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