“De que minoria você é?” A pergunta do soldador eletricista Wu Aiying depois de conversar meia hora comigo, por meio de uma intérprete han (a etnia majoritária do país), diz muito sobre a China.
ÜRÜMQI, China – Aos 72 anos, Wu viveu o suficiente para saber que um homem tão diferente poderia ser um compatriota dele, integrante de uma das 56 etnias da China.
Depois de viajar quatro horas de avião, que separam Pequim de Ürümqi, a capital da Região Autônoma Uigur de Xinjiang, minha intérprete precisa, tanto quanto eu, de um tradutor para entender os uigures, muçulmanos de origem túrquica. É verdade que ela não precisaria ir tão longe. Em Hunan, sua província natal (sudoeste), vilarejos distantes entre si 20 km falam dialetos mutuamente incompreensíveis. Têm em comum a escrita em mandarim, que os torna todos hans. Os uigures, por sua vez, cujo alfabeto deriva do árabe, não entendem os casaques, tajiques, quirguizes, usbeques e huis com os quais compartilham o Islã e Xinjiang, gigantesco território de 1,7 milhão de km² – um sexto da China.
Tanta diversidade é campo fértil para muitos atritos. Sentindo-se à vontade com minha intérprete han, e feliz por aceitarmos pagar o dobro da corrida para não termos de dividir o táxi com outro passageiro (exigência dos motoristas depois que o litro da gasolina saltou de 4,28 iuanes para 7,63, há um mês), o taxista han que nos levou do aeroporto ao hotel foi de uma franqueza embaraçosa: “Não se aproximem dos uigures. Eles são criminosos.” Segundo ele, os casaques e os mongóis se comportam bem. “O problema são os uigures.”
Caminhando às 3 da tarde pela movimentada Avenida da Liberação do Sul, em frente ao Grande Bazar de Ürümqi, presenciei uma cena que prejudicou meus esforços de afastar esse estereótipo como um preconceito odioso. Um homem com uma longa pinça tentava calmamente arrancar algo do bolso da frente da calça de outro homem, distraído olhando os jornais de uma banca. Alertada por um terceiro, a vítima olhou com ar de enfado e resmungou algo para o trombadinha, que pediu desculpas e saiu caminhando placidamente, em busca de uma nova vítima. “Isso é normal aqui”, explicaram moradores de Ürümqi. “Ninguém chama a polícia porque os ladrões pertencem a grupos poderosos.”
Em cidades grandes como Pequim e Xangai, os vendedores ambulantes uigures, imigrantes, despertam nos transeuntes o medo de serem roubados – ou, no mínimo, enganados.
Claro que os uigures não se vêem assim. “Podemos coexistir de igual para igual”, disse Waili Maimati, funcionário da Mesquita Erdaoqiao, a maior de Ürümqi. “Mas nós muçulmanos somos mais inteligentes e mais cultos.”
Nem todos os hans têm uma visão tão negativa dos uigures. “A maioria é boa”, disse Shi Lian, contadora numa fábrica de cimento. “São só uns poucos loucos que apóiam o terrorismo.” Fora de Xinjiang, no entanto, para muitos chineses, o terrorismo está associado ao Islã em geral e aos uigures em particular. O atentado de segunda-feira em Kashgar (oeste de Xinjiang), em que dois uigures separatistas islâmicos mataram 16 policiais hans e feriram outros 16, não ajuda a dissipar esse estigma.
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