Mercado interno salvou Índia da recessão

Queda das exportações fez economia desacelerar na crise, mas consumo forte sustentou crescimento

NOVA DÉLHI – Há um ano, Nasinder Tambekar viu sua renda cair pela metade. As encomendas do exterior à sua pequena fábrica de zíperes, a NT, foram canceladas por causa da crise. De sua produção, 50% ia para fora – 75% para Nova York e o restante para a Grã-Bretanha e o Canadá. As vendas para o mercado interno se mantiveram, e a receita líquida da fábrica caiu de 60 mil rupias (US$ 1.200) para 30 mil (US$ 600). Tambekar arranjou então um emprego de gerente na engarrafadora de água mineral Royal Blue. Nesses 12 meses, ele alcançou as metas de vendas – no mercado interno – e seu salário aumentou de 20 mil rupias (US$ 400) para 25 mil (US$ 500).

Na noite de segunda-feira, Tambekar, de 34 anos, casado e dois filhos, procurava uma TV de LCD para comprar no centro comercial PVA, frequentado pela “classe alta”. Seu rendimento pode não ser alto para os padrões brasileiros, mas é para a Índia, onde um litro de gasolina e uma garrafa de 300 ml de Coca-Cola custam US$ 0,40; um quilo de arroz, US$ 0,50; um carro popular da marca Tata, US$ 3.300, e o aluguel de um apartamento de dois quartos na capital, cerca de US$ 300.

A história de Tambekar é uma síntese do que ocorreu com a economia indiana neste ano de crise mundial. O choque externo com a queda do preço das commodities, a falta de crédito para as exportações e a redução do fluxo de investimentos diretos estrangeiros tem sido compensado pelo vigor do mercado interno. Na loja onde ele olhava as TVs, as vendas aumentaram entre 20% e 25% no último ano, segundo o vendedor Tarun Varshney. Entre seus fregueses, destacam-se os funcionários públicos.

Um dos estímulos à demanda interna foram os reajustes dos salários dos servidores, entre 60% e 100%, num dissídio obrigatório que ocorre a cada cinco anos. A Índia tem 23 milhões de funcionários públicos. Para uma família de quatro pessoas, isso significa que mais de 90 milhões de indianos foram beneficiados com os aumentos, que coincidem com 11 semanas de deflação – na última semana, de 0,95%. Os preços, no entanto, devem começar a subir, puxados pelos alimentos, por causa de uma das piores secas dos últimos 100 anos na estação das chuvas de monção, vitais para a agricultura indiana.

A crise mundial afetou menos a economia indiana do que as de outros países por várias razões. Primeiro, porque ela ainda é bastante fechada. Todo o comércio exterior, somando exportações e importações, representa apenas 30% do Produto Interno Bruto (PIB); na China, são cerca de 60%; no Brasil, outra economia muito fechada, são 25%. Assim, mesmo com a queda de 28% nas exportações e de 37% nas importações – sobretudo de matérias-primas e insumos para a produção dos bens exportados –, o impacto não foi tão grande.

Outra razão é que não havia volume significativo de investimentos indianos em derivativos e outros produtos financeiros americanos. O setor bancário é predominantemente estatal, e com isso protegido de insolvências. Além disso, a bolha do mercado imobiliário indiano estourou antes que a dos Estados Unidos, em 2007, levando o governo a impor severas restrições ao crédito. Quando a crise externa estourou, já havia pouca liquidez na economia por causa desse aperto. “Na minha opinião, a maior parte da crise na Índia foi autoinfligida”, interpreta o economista Mohan Guruswamy, do Centro de Políticas Alternativas. “Outros dirão que isso nos salvou de um desastre maior.” Com a crise, o governo abriu as torneiras do crédito ao consumidor, causando um boom nas vendas de bens duráveis, como automóveis, que aumentaram 34%, eletrodomésticos, computadores, etc. Produtos para construção civil, como cimento e aço, tiveram quedas.

O maior impacto da crise externa foi sentido no dinâmico setor da tecnologia da informação, cuja receita anual de US$ 70 bilhões representa quase 6% do PIB indiano, de US$ 1,2 trilhão. Tudo somado, o PIB deve crescer 6% este ano, segundo estimativa do Reserve Bank of India (banco central), em comparação com 6,7% no ano passado e 8,8% na média entre 2003 e 2007. No ano que vem, já se espera crescimento de 7,5% e, em 2011, de 9%. A cada sete anos, o PIB indiano tem dobrado. Mas a população também cresce em ritmo vertiginoso. O 1,1 bilhão atual deve chegar a 1,6 bilhão em 2020. “Não há sistema previdenciário”, explica Guruswamy. “Quem sustenta os velhos são os filhos. Por isso as famílias têm de ser grandes.”

“A seca pode ter impacto maior sobre a economia do que a crise mundial”, diz Jayati Ghosh, professora de economia da Universidade Jawaharlal Nehru. A cada três anos, a agricultura sofre com a falta de chuvas; a cada cinco, com enchentes. A atual seca é devastadora. Afeta principalmente a safra de arroz e prejudica a ração para o gado leiteiro. O campo emprega 60% da força de trabalho.

O desemprego oficial foi de 6,8% em 2008. O índice é divulgado apenas uma vez por ano. Grande parte dos considerados ocupados, no entanto, vive de subempregos, como vendedores ambulantes. Mesmo a indústria emprega mão de obra sem carteira assinada.

Guruswamy acha que a Índia precisa de uma reforma trabalhista, de modo a reduzir os custos da contratação com carteira assinada. Jayati prefere a concessão de créditos para pequenas e médias empresas, que são as que mais empregam. O crédito na Índia está restrito às grandes empresas e aos empregados de classe média, que fazem empréstimos consignados. Falta incluir a grande massa no capitalismo indiano: 46% da população está abaixo da linha de pobreza pelo critério indiano, de US$ 1 por dia; 60%, pelo da ONU, de US$ 2. É o preço de um Frango Marajá, o equivalente indiano do Big Mac.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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