Livro afirma que o conceito de ‘nação muçulmana separada’ moldou a natureza do Paquistão
NOVA DÉLHI – Seis décadas depois, a ferida aberta pela divisão da Índia, dando origem ao Paquistão e mais tarde a Bangladesh, continua sem cicatrizar. O conflito no Afeganistão é um subproduto dessa separação entre hindus e muçulmanos, que o líder indiano Mahatma Gandhi chamou de “viviseção” – o corte de um organismo vivo.
Publicado recentemente na Índia, o livro India–Partition–Independence, do deputado e diplomata Jaswant Singh, procura mostrar que o conceito de “muçulmanos como nação separada” foi uma construção artificial do líder muçulmano Mohammed Ali Jinnah, para satisfazer seu anseio pessoal de poder; que os muçulmanos eram tão indianos quanto os hindus; e que a forma como o Paquistão nasceu determina a sua natureza de patrocinador do terrorismo na região.
“O Paquistão, fundado na noção de separação, uma ‘nação’ distinta da Índia, não podia senão afirmar incessantemente sua identidade islâmica”, argumenta Singh. “Em consequência, adotou a identidade de República Islâmica.” Para o diplomata, essa identidade impediu o Paquistão de tornar-se um Estado “moderno” e “funcional”. “De Estado islâmico, o Paquistão talvez se tornou um ‘Estado jihadista’, e daí o epicentro do terrorismo global.”
O autor descreve como a rivalidade pessoal entre Jinnah e o líder hindu Jawaharlal Nehru, do Partido do Congresso, também influiu na partilha da Índia. Esses mesmos políticos lançaram a luta pela independência em relação à Grã-Bretanha, sob a liderança de Gandhi, com a premissa da unidade do país. Mas, com o tempo, Jinnah acoplou a ideia de separação à de independência. Nehru acabou aderindo à partilha, para consolidar seu poder na nova Índia – reduzida, mas sem a incômoda presença de Jinnah, seu oponente, que então teria seu próprio país para liderar.
Singh registra que Gandhi se manteve contrário à partilha até o fim, considerando-a “o grande fracasso” de sua vida. Entretanto, na biografia do Mahatma escrita por seu neto Rajmohan Gandhi, uma passagem mostra que até o líder indiano resignou-se à ideia: “Não vim aqui para lutar contra o Paquistão”, disse Gandhi em novembro de 1946, nove meses antes da partilha, a uma plateia de hindus e muçulmanos em Dattapara, hoje Bangladesh – um segundo país muçulmano resultante da “viviseção”, por sua vez separado do Paquistão. “Se o destino da Índia for a partilha, não posso impedi-la. Mas quero lhes dizer que o Paquistão não pode ser estabelecido à força.”
O livro de Rajmohan, Mohandas, a True Story of a Man, his People and an Empire descarta também a convivência pacífica entre hindus e muçulmanos, sugerida por Singh. A visita a Dattapara foi parte de um périplo de Gandhi, de trem, por uma série de vilarejos, onde haviam ocorrido massacres de um ou do outro grupo. O apoio velado de líderes do Partido do Congresso ao massacre de 7 mil muçulmanos no Estado de Bihar, leste do país, enfureceu Gandhi, que escreveu aos líderes do partido que ajudou a fundar: “O que vocês fizeram foi se degradar e puxar a Índia para baixo.”
Talvez nem Gandhi pudesse medir o impacto que os confrontos entre muçulmanos e hindus e a divisão da Índia deles resultante acabariam tendo não só sobre o Subcontinente Asiático, mas sobre todo o mundo.
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