Em entrevista ao ‘Estado’, líder religioso acusa o Ocidente de ser inimigo do Islã
QUETTA, Paquistão – A princípio, foi uma visão um tanto assustadora para os poucos jornalistas ocidentais que conseguiram furar o cerco montado pela polícia nos hotéis de Quetta e ir cobrir a manifestação dos fundamentalistas. Milhares de manifestantes já aguardavam sentados no chão quando, ao meio-dia, um bando de milicianos do partido fundamentalista Jamiat Ullmat Islam, com uniformes verde-oliva e cáqui e bastões de madeira, veio correndo na direção do palco. Só quando se aproximaram deu para entender a razão do corre-corre: o líder do partido, o maulana Fazal ul-Rehman, estava chegando.
Durante a manhã, essa cidade 1,5 milhão de habitantes a sudoeste do Paquistão, de maioria pashto (a principal etnia do Afeganistão), encheu-se de tensa expectativa diante das notícias de que Ul-Rehman, um dos principais dirigentes fundamentalistas do país, havia sido impedido de deixar Karachi para liderar a manifestação em Quetta. Enquanto isso, a polícia impedia os jornalistas estrangeiros de deixar os hotéis, alegando que sua segurança pessoal corria risco, numa indicação da escalada das restrições dos movimentos da imprensa ocidental por parte do governo paquistanês.
Os gritos dos mulás no palanque e da multidão cresceram em decibéis com a chegada do maulana (líder espiritual). “Americanos, ouçam: hoje vocês vão morrer”, era um dos slogans. “O cemitério dos americanos será o Paquistão.”
Mas não faltaram advertências também para o governo paquistanês, que se aliou aos Estados Unidos no confronto com o regime islâmico do Afeganistão.
Ul-Rehman, um dos cinco mulás mais próximos do Taleban que não quiseram participar da delegação que foi à sede do regime afegão em Kandahar no fim de semana passado tentar mediar um acordo, concordou em dar uma rápida entrevista ao Estado no palanque, antes de fazer seu esperado discurso.
Estado – O que o sr. acha da posição assumida pelo (presidente paquistanês) general Pervez Musharraf?
Fazal ul-Rehman – Estamos com nossos irmãos afegãos. Ficaremos contra quem quer que os ataque. O general não é uma pessoa forte. Ele não teria coragem de dizer à paisana o que ele diz vestindo uniforme. Ele está com medo.
Assumiu essa posição sob pressão dos Estados Unidos.Ele não é o presidente legítimo e constitucional do Paquistão. Nosso país está sob ocupação militar (Musharraf assumiu num golpe militar em 1999). A nação está de um lado e o presidente, do outro.
Estado – Vocês gostariam de introduzir um regime islâmico no Paquistão?
Ul-Rehman – Sim, gostaríamos de implantar as leis islâmicas no Paquistão, como ocorreu no Afeganistão. O Paquistão hoje não tem um governo islâmico.
Estado – Ainda há a possibilidade de o sr. e os outros (quatro) mulás que não participaram da primeira delegação irem a Kandahar, num último esforço de mediação?
Ul-Rehman – O governo paquistanês quis que fôssemos a Kandahar, mas não havia agenda definida para as conversações. Foi por isso que não fomos. Se houver fatos novos e um convite do mulá Mohammad Omar (líder supremo do Taleban), podemos ir.
Estado – Por que o sr. acha que se chegou a essa situação de confronto?
Ul-Rehman – O Taleban restaurou a segurança e a ordem no Afeganistão, implantando as regras da Sharia (lei islâmica). Diante disso, era dever moral do mundo apoiar o Taleban. Mas a América e o Ocidente têm-se mostrado inimigos do Islã, não do Taleban, de Osama bin Laden ou dos terroristas. Os EUA apóiam as atrocidades que Israel comete contra os palestinos. Nós queremos paz no mundo. Não queremos guerra, mas sim nos defender.
Chega o momento de o maulana discursar e a entrevista se encerra. O mulá que está com o microfone no momento pergunta: “Vocês estão preparados para lutar contra a América?” A multidão de cerca de 7 mil pessoas responde: “Estamos prontos para atacar.”
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