Morte de Bin Laden ‘fragiliza governo civil paquistanês’

Pesquisador em Islamabad adverte que o establishment militar precisará restabelecer sua credibilidade

BEIRUTE – A versão do governo paquistanês, segundo a qual não foi avisado previamente da incursão dos quatro helicópteros americanos na caçada a Osama bin Laden, compromete a percepção sobre a capacidade das Forças Armadas do país. Por que não conseguiram interceptá-los no espaço aéreo paquistanês? “O establishment militar paquistanês precisará restabelecer sua credibilidade”, analisa Irfan Shahzad, pesquisador do Instituto de Estudos de Políticas, em Islamabad. 

Em entrevista ao Estado, pelo telefone, Shahzad prefere não especular sobre o risco de golpe militar. “Há outras maneiras de os militares fazerem sua presença notada”, observa o pesquisador. “Mas é claro que a posição do governo civil se torna mais frágil.” O presidente Asif Ali Zardari, viúvo da ex-primeira-ministra Benazir Bhutto, morta pela Al-Qaeda em dezembro de 2007, elegeu-se em setembro do ano seguinte, sucedendo o general Pervez Mussarraf, que encabeçara uma ditadura militar durante nove anos.

Co-autor dos livros “Afegãos no Paquistão” e “Ensaios sobre Muçulmanos e os Desafios da Globalização”, ambos de 2009, Shahzad defende o Taleban no Afeganistão, acusa o grupo de mesmo nome no Paquistão de ser composto de “criminosos e terroristas” e garante que a Al-Qaeda não tem representatividade na sociedade paquistanesa.

O pesquisador põe em dúvida a morte de Bin Laden, e diz que ela serve para transformar o Paquistão em “bode expiatório” dos Estados Unidos e desvia a atenção da Líbia, onde os americanos estariam “excedendo seu mandato”.

No establishment de segurança paquistanês há simpatia por grupos terroristas?
Isso é totalmente contrário à realidade. O establishment de segurança se opõe firmemente ao terrorismo, e tem provado isso ao longo dos últimos anos. As Forças Armadas e de segurança sofreram muito mais baixas na luta contra o terrorismo do que todas as forças da Otan somadas. Continuar fazendo essa acusação é uma grande injustiça.

Mas o senhor está se referindo às Forças Armadas. E o ISI (Inter-Services Intelligence, serviço secreto paquistanês)?
O ISI faz parte das Forças Armadas. A noção de que eles agem por conta própria é totalmente inverossímil para mim. Pelo mesmo critério de questionamento da integridade de forças armadas, poderíamos dizer que a ação das forças especiais dos EUA no Afeganistão está causando sofrimento no Paquistão. Não estou afirmando isso. Estou dizendo que é o mesmo tipo de acusação.

Mas o que suscita esse questionamento em relação aos paquistaneses é o fato de Bin Laden ter sido encontrado num lugar tão visível.

Francamente, não estou convencido de que Bin Laden foi encontrado. Os americanos não foram capazes de provar isso. Não mostraram o corpo dele. 

Mas em janeiro os americanos, e não os paquistaneses, já haviam encontrado em Abbottabad o líder terrorista Omar Patek (do grupo Jemah Islamiya, responsabilizado pelo atentado de Bali, na Indonésia, em 2002).

É claro que é possível se esconder em qualquer parte do mundo. Os turcos encontraram o líder separatista curdo Abdullah Ocalan em Nairóbi (em 1999), e ele era um alvo altamente valioso, como Bin Laden. O homem mais procurado do Irã, o líder terrorista sunita Abdol Malek Rigi, foi preso num avião de Dubai para Bishek (Quirguistão), depois de visitar uma base americana no Afeganistão. Os iranianos fizeram o avião pousar para capturá-lo.

Por que os americanos simulariam a morte de Bin Laden neste momento?
Na verdade eles precisavam, neste ponto, de um resultado, para acelerar sua retirada do Afeganistão. Quando saírem de lá, eles terão de transformar o Paquistão em bode expiatório do fracasso deles, acusando-o de abrigar o terrorismo. Além disso, eles precisavam desviar a atenção do mundo do que eles estão fazendo na Líbia, onde estão excedendo os limites do mandato da ONU.

Quais as consequências para o governo do presidente Zardari?
O governo está dizendo que não foi informado previamente do ataque. O Ministério das Relações Exteriores manifestou oficialmente sua preocupação com essa invasão do espaço aéreo do país. Isso coloca em xeque não o governo civil, mas a capacidade de reação das Forças Armadas. Por que não conseguiram interceptar os (quatro) helicópteros americanos? 

Zardari sai enfraquecido do episódio?
Sim, porque o establishment militar paquistanês precisará restabelecer sua credibilidade. 

Como?
Não posso especular, mas claro que a posição do governo civil se torna mais frágil.

Há risco de golpe militar?
Eu não sugeriria isso, mas é claro que há outras maneiras de os militares fazerem sua presença notada.

O Taleban no Afeganistão conta com muito apoio no Paquistão?
Claro. Não creio que seja um grupo terrorista, mas um movimento de resistência à ocupação americana no Afeganistão.

E o Taleban no Paquistão?
Não tem nada a ver com o Taleban. Eles apenas pegaram esse nome. Na maioria são criminosos, ladrões, contrabandistas, ex-terroristas que fugiram do Afeganistão. 

E a Al-Qaeda, tem simpatia no Paquistão?
É quase inexistente. Pode-se falar em indivíduos que a apoiam. Mas nada que tenha uma representatividade social.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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