O governo paquistanês recebeu com cautela a notícia de que os líderes religiosos do Afeganistão recomendaram ao regime do Taleban pedir a Osama bin Laden, acusado de perpetrar os ataques contra os EUA, que saia do país
ISLAMABAD – Analistas paquistaneses temem que a rejeição americana em relação à decisão do conselho reunido em Cabul abra caminho para um massacre no Afeganistão.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Riaz Mohammad Khan, disse que o governo paquistanês vai aguardar uma comunicação oficial por parte do regime do Taleban. “Não sabemos quais serão os próximos passos depois da reunião do conselho”, disse o porta-voz. “Os afegãos têm seus meios e tradições peculiares.” Além disso, reconheceu, não há meios normais de comunicação entre os dois governos.
O embaixador do Paquistão em Cabul, Arif Ayub, foi chamado de volta há dois meses e o corpo diplomático, reduzido. O embaixador do Taleban em Islamabad, Abdul Salam Zaeef, também foi chamado de volta. Na embaixada, só restou um diplomata, que, segundo os porteiros, “abandonou o celular, para não falar com ninguém”.
Os pedidos de visto de entrada no Afeganistão são enviados a Kandare, quartel-general do Taleban, no sul do país, e levam duas semanas para serem respondidos. Para tentar convencer o chefe supremo do Taleban, Mohammad Omar, a entregar Bin Laden aos EUA, o presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, enviou a Kandahar uma delegação. Antes do anúncio do conselho, Omar havia dito que a interpretação dos líderes religiosos seria levada em conta na tomada de decisão política quanto a entregar ou não Bin Laden.
Com o envio de esquadras americanas para o Golfo Pérsico, os analistas paquistaneses temem que o anúncio do conselho afegão, se confirmado, represente “pouco demais e tarde demais”. Segundo a comentarista política Nasim Zehra, “no mínimo, as duas partes terão de encontrar uma saída honrosa”. Circularam rumores em Islamabad de que o ataque americano ao Afeganistão poderia ocorrer na noite de ontem para hoje.
No briefing à imprensa, o porta-voz reconheceu que o Paquistão continua desconhecendo os detalhes das evidências que os EUA têm do envolvimento de Bin Laden nos ataques e dos planos militares americanos. Uma jornalista americana perguntou se o Paquistão considerava uma amostra da desconfiança dos EUA essa falta de informações para um país que se está prontificando a oferecer seu espaço aéreo, inteligência e apoio logístico. “Não é questão de quem confia em quem. Pelo que sabemos, os EUA ainda estão em processo de definição e seria injusto que pressionássemos por evidências e detalhes”, respondeu Riaz Khan, diplomata de carreira.
O Paquistão continua sob sanções comerciais dos EUA, por seu apoio ao regime fundamentalista do Taleban, que controla mais de 90% do território afegão e abriga Bin Laden, que já havia sido acusado de outros atentados contra os EUA.
Cresce a movimentação de famílias dentro do Afeganistão, aterrorizadas com a perspectiva de bombardeios aéreos e impedidas de sair do país, cujas fronteiras foram fechadas pelos vizinhos. A porta-voz do escritório da ONU no Afeganistão, Stephanie Bunker, disse ontem em Islamabad que muitas famílias estão se movendo em direções contrárias entre as cidades e regiões rurais do país, cada uma buscando a melhor forma de se proteger.
Os funcionários da ONU estimam que mais da metade da população de Kandahar tenha deixado a cidade. De acordo com Yussuf Hassan, do Alto Comissariado da ONU para Refugiados, muitas pessoas voltaram para o interior do país, depois de encontrar as fronteiras fechadas. Os funcionários estrangeiros da ONU foram retirados do Afeganistão e as operações de transporte de doentes e de suprimentos foram suspensas depois que o Taleban fechou o espaço aéreo.
Os preços estão subindo nas cidades, enquanto as pessoas armazenam alimentos e muitas lojas foram fechadas. A criminalidade também aumentou. O transporte é um grande problema no Afeganistão, cuja infra-estrutura foi destruída ao longo de duas décadas de guerra – primeiro para expulsar os invasores soviéticos, depois na luta entre grupos fundamentalistas para controlar o país. “Os afegãos são muito resistentes”, disse Khaled Mansour, do Programa Mundial de Alimentos da ONU. “Têm sobrevivido a guerras e à seca, mas, desta vez, tememos que a situação se revele além da capacidade deles.”
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