Trump recua forças na Ásia e em troca Kim acena com plano vago de desarme

Presidente americano elogia ditador norte-coreano e promete pôr fim a exercícios militares conjuntos com Coreia do Sul, mas não obtém nenhuma garantia ou prazo para que regime de Pyongyang promova a completa desnuclearização da Península Coreana

Singapura — O presidente dos EUA, Donald Trump, prometeu ontem pôr fim aos exercícios militares conjuntos com a Coreia do Sul, que há décadas são a materialização do guarda-chuva americano contra a ameaça norte-coreana. É a contrapartida de Washington ao compromisso do ditador Kim Jong-un com a “completa desnuclearização da Península Coreana”.

Trump ressaltou que convidará Kim a visitar a Casa Branca “no momento apropriado” | Anthony Wallace / AFP

O compromisso foi reafirmado por Kim em uma carta de intenções assinada pelos dois governantes ao final de uma histórica reunião de cúpula na Ilha Sentosa, em Singapura. No documento, Trump promete “fornecer garantias de segurança à Coreia do Norte”. Mais tarde, o presidente americano explicou que isso significa a suspensão dos “jogos de guerra”, que ele classificou de caros e “provocativos”.

Foi uma concessão tão grande quanto inesperada. A percepção anterior dos observadores na Coreia do Sul, cujo presidente Moon Jae-in deu o pontapé inicial no processo, em duas reuniões com Kim, era a de que os norte-coreanos não impunham como condição o fim dessas manobras nem da presença militar americana. Há 28,5 mil militares americanos na Coreia do Sul.

O documento assinado pelos dois é vago e seu significado concreto vem sendo entendido aos poucos, com declarações de Trump e de funcionários americanos. Por exemplo, as sanções americanas contra a Coreia do Norte, cuja intensificação foi um dos principais incentivos para Kim negociar, continuarão em vigor, por enquanto.

A surpreendente promessa de Trump foi o ápice de um dia que parecia não acabar, que começou às 9 horas em Singapura (22 horas de segunda-feira em Brasília), quando os dois se sentaram lado a lado e apertaram as mãos para uma sessão de fotos. Nela, Kim deu a melhor definição do dia: “Acho que o mundo todo está assistindo a este momento. Muitas pessoas no mundo pensarão que esta cena é uma fantasia, um filme de ficção científica”.

Há nove meses, na Assembleia-Geral da ONU, Trump chamou Kim de “homenzinho-foguete numa missão suicida”. Ao que o ditador respondeu: “Eu, com certeza e definitivamente, amansarei com fogo o caduco mentalmente desorientado”.

Em contraste, Trump cobriu ontem de elogios o jovem ditador de 35 anos – metade de sua idade – educado na Suíça: “Ele é um negociador inteligente, valoroso e duro. Percebi que é um homem talentoso. E também que ama muito o seu país”. Ambos demonstraram que o encontro ultrapassou as expectativas e se disseram otimistas com os resultados de um processo que, na verdade, só está começando.

Os detalhes serão negociados nas próximas semanas, provavelmente meses, por equipes sob o comando do secretário de Estado, Mike Pompeo, e, do lado norte-coreano, pelo general Kim Yong-chol, ex-chefe do serviço secreto e de operações especiais, que participou de negociações anteriores com os EUA.

Em 1994 e em 2005, os dois países firmaram acordos que acabaram fracassando. Eles previam que a Coreia do Norte poria fim ao seu programa nuclear. Em troca, os EUA garantiriam seu abastecimento de energia, fornecendo petróleo enquanto construía dois reatores nucleares no país. Os dois terminaram se acusando mutuamente de não cumprir sua parte.

Se desta vez será diferente, é impossível prever. O cenário da cúpula não inspira muito realismo. Sentosa é uma ilha artificial sobre a qual foram construídos balneários de gosto duvidoso e uma filial da Universal Studios. O lugar é chamado em Singapura de “Ilha da Fantasia”.

O local teve segurança ostensiva, com navios e aviões militares. No restante do país, a vida continuava normalmente. Práticos, disciplinados e empreendedores, os cingapurianos não viram motivo para alterar a rotina. Mas, para a empobrecida Coreia do Norte, 12 de junho foi o dia em que seu “líder supremo” falou de igual para igual com o homem mais poderoso do planeta.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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