Presidente aconselha a não seguirem o exemplo venezuelano, e alerta para risco de ‘explosão social’
PORTO ALEGRE – O presidente venezuelano, Hugo Chávez, advertiu ontem as “oligarquias” brasileiras para que não sigam o exemplo das do seu país, sob pena de enfrentarem uma explosão social. O alerta foi feito durante entrevista coletiva no “plenarinho” da Assembléia Legislativa em Porto Alegre, onde o presidente veio participar do Fórum Social Mundial.
“Espero que as pessoas apóiem no Brasil e no Equador a mudança, espero que entendam o que a oligarquia venezuelana se tem negado a entender, que uma revolução pacífica e mudanças estruturais em direção à democracia também convêm aos que têm usufruído de privilégios, as elites econômicas, porque lhes assegura a vida futura”, declarou Chávez. “Porque, se esses países continuarem como têm vivido, vão direto para o inferno.”
Chávez citou números segundo os quais há 224 milhões de pobres na América Latina, dos quais, 90 milhões de indigentes. “Quem pode imaginar que esses 224 milhões de pobres se resignarão a morrer de fome?”, perguntou o presidente venezuelano. “É uma carga explosiva que, se não for tratada a tempo, não com esmolas, mas transformando o modelo político e econômico, para que eles tenham os mesmos direitos que os setores médios e altos, se não conseguirmos resolver em paz, como na Venezuela estamos tentando fazer, essa carga vai explodir.”
Chávez disse que as elites econômicas e parte das elites sociais tomaram o caminho do golpismo e do fascismo. E definiu: “O fascismo é a face superior do neoliberalismo.” Segundo o presidente venezuelano, “se em Davos reina a visão do neoliberalismo, em Porto Alegre reina a do neo-humanismo”.
Para Chávez, “a única forma de acabar com a pobreza é dando poder aos pobres”. Ele defendeu uma democracia participativa e um novo modelo econômico de redistribuição das riquezas, citando que seu país tem um índice de 80% de pobres. Conforme o presidente, na última metade do século 20 na Venezuela, evaporaram-se recursos financeiros gerados pelo petróleo equivalentes a 15 Planos Marshall (de ajuda econômica americana aos países europeus após a 2.ª Guerra Mundial).
Para explicar a situação, ele recorreu ao filósofo político italiano Antonio Gramsci (1891-1937): “Gramsci dizia que uma crise é verdadeira quando em um país, em um lugar, em uma sociedade, há algo que está morrendo e vai morrer, mas não termina de morrer, e ao mesmo tempo, há algo que está nascendo e vai nascer, mas não termina de nascer.”
O presidente aproveitou para demonstrar mais uma vez seu desalento com o Grupo de Amigos para a Venezuela, que inclui os Estados Unidos e a Espanha, cujos governos já defenderam a antecipação de eleições como saída para a crise. Segundo ele, a situação não se resolverá com um “grupo de amigos” ou “um clube de senhores”, mas “quando o que vai morrer termine de morrer e o que está nascendo, termine de nascer”.
Para ilustrar a impossibilidade de haver um comércio justo sob as atuais condições, Chávez disse que o presidente Fernando Henrique Cardoso “foi muito valente” com a proposta brasileira de suspensão da cobrança de direitos de propriedade intelectual para a fabricação de medicamentos genéricos contra a aids pelos países pobres, mas disse que os ricos “impuseram uma série de restrições” a essa liberação. E defendeu a união dos países latino-americanos para lidar com as instituições multilaterais.
O Estado perguntou a Chávez se, em caso extremo, ele pretendia pedir asilo político ao Brasil, país que visitou três vezes este mês. O presidente murmurou que isso não seria necessário e seu assessor encerrou a coletiva.
Chávez foi para a sacada do prédio da Assembléia, onde seus simpatizantes ainda o aguardavam, às 20 horas. “Nesse fórum se concentram as esperanças do mundo”, discursou o presidente, sob os aplausos efusivos de centenas de pessoas. “Se não acabarmos com o neoliberalismo, o neoliberalismo acabará conosco e com nosso futuro.”
Colaborou Sandra Hahn