Federação empresarial aproveita viagem de Lula para pedir à chanceler empenho na aproximação com o Brasil
BERLIM, Alemanha – Em 1989, quando o Muro de Berlim caiu, a Alemanha era o segundo maior investidor estrangeiro no Brasil, atrás apenas dos Estados Unidos. Desde então, chegou a cair para o sexto lugar. O país que participou da industrialização do Brasil, cujo símbolo maior é o Fusca, e tem em São Paulo
a maior cidade industrial fora de seu território, foi o grande ausente dos leilões de privatização dos anos 90. Os alemães estavam ocupados consigo mesmos: o esforço de modernização da Alemanha Oriental consumiu mais de € 1 trilhão.
A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Alemanha, dias 3 e 4, marca o ressurgimento do apetite dos alemães pelo Brasil – que acaba de elevá-los ao primeiro lugar no ranking de investidores. Depois de se reunir com os presidentes das principais empresas alemãs, no dia 3, em Berlim, Lula participará, no dia seguinte, de um seminário em Hamburgo com mais de 700 empresários. Tudo indica que ele encontrará uma plateia atenta.
Nos preparativos para a visita, o presidente da poderosa Federação das Indústrias Alemãs (BDI), Hans-Peter Keitel, enviou uma carta à chanceler Angela Merkel qualificando o Brasil de “economia mais importante da América Latina e potência econômica emergente no mundo”, manifestando interesse em encontrar-se com Lula e exortando a chefe do governo alemão a visitar o Brasil “o mais breve possível”. A BDI reúne 37 associações, que representam mais de 100 mil indústrias e empresas de engenharia.
A carta de Keitel parece indicar que suas conversas com o embaixador do Brasil em Berlim, Éverton Vargas, tiveram eco. Sempre que ele e outros empresários alemães se queixam das relações privilegiadas do Brasil com a França, o embaixador explica que o presidente Nicolas Sarkozy não perde oportunidades de cortejar Lula. Toda vez que Lula passa pela Europa, Sarkozy o convida para “dar uma passadinha” em Paris. Sarkozy foi a Brasília assistir ao desfile do Sete de Setembro e arrancou de Lula sua preferência pública pelos caças franceses na licitação da Força Aérea Brasileira (FAB).
Bem-sucedido na travessia da crise financeira internacional – que afetou em particular a economia alemã, movida a exportações –, o Brasil está na moda no mundo todo. Encartes deste mês no jornal Financial Times e na revista The Economist, ambas publicações de leitura obrigatória dos executivos europeus, celebraram a solidez da economia brasileira e as oportunidades de investimentos que ela oferece. Os alemães, que nunca deixaram de ter uma robusta participação no Brasil – suas empresas contribuem com 10% do PIB industrial brasileiro –, acham que podem fazer muito mais.
RETOMADA
Como reflexo da crise financeira internacional, os investimentos diretos alemães no Brasil no ano passado – US$ 1,04 bilhão – foram 40% menores do que em 2007. Já nos primeiros quatro meses de 2009, as empresas alemãs investiram no Brasil US$ 1,98 bilhão, 90% mais do que em todo o ano de 2008. Com isso a Alemanha se tornou o maior investidor no Brasil, superando os Estados Unidos, que tradicionalmente ocupam o primeiro lugar nesse ranking.
De acordo com Sigrid Zirbel, diretora da BDI para as Américas, o empresariado alemão quer participar sobretudo dos investimentos em infraestrutura para a Copa do Mundo de 2014 e para a Olimpíada de 2016, que poderão consumir, juntas, algo como R$ 130 bilhões, segundo cálculos de economistas. O empresariado alemão chama a ofensiva de Projeto 2014-2016, lançado recentemente num evento que reuniu mais de cem empresas das áreas de engenharia, arquitetura, telecomunicações, segurança e outros segmentos relacionados à infraestrutura e alta tecnologia.
“A indústria alemã está muito interessada na Copa do Mundo no Brasil, por causa da nossa experiência muito bem-sucedida em 2006”, diz a diretora, referindo-se ao ano em que a Alemanha foi sede do torneio. Ela cita as soluções “economicamente sustentáveis” para os estádios construídos na Alemanha. Em vez de limitar-se a partidas de futebol, os estádios foram projetados de forma a abrigar outros eventos, como feiras setoriais, para aumentar o retorno do investimento. Com isso, companhias de engenharia e arquitetura que não atuam no Brasil poderiam juntar-se às 1.200 empresas alemãs que já estão no País.
Outro segmento no qual a Alemanha quer mostrar sua competitividade é o do transporte ferroviário, de olho no projeto do trem rápido entre São Paulo e Rio e noutros planos de ampliação de metrôs e de modernização de trens de superfície. Nesse caso, pretendem disputar os contratos grandes empresas que já estão presentes no Brasil, como a Siemens e a ThyssenKrupp, por exemplo, que tem uma siderúrgica no Estado do Rio, mas não atua no segmento ferroviário no País. Com o propósito de impressioná-lo, Lula será levado de trem de Berlim para Hamburgo, na manhã do dia 4.
Os alemães querem mostrar que não são só os franceses que têm charme.
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