As pressões social e econômica têm levado Espanha, Catalunha e União Europeia a buscar uma solução negociada para o desejo de independência da região
Virou toma lá, dá cá. O Tribunal Constitucional da Espanha suspendeu, numa ação cautelar, a sessão dessa segunda-feira do Parlamento da Catalunha, na qual estava prevista a declaração da independência da região, aprovada no plebiscito do domingo passado. O presidente catalão, Carles Puigdemont, anunciou então que comparecerá ao legislativo regional às 18 horas (13 horas em Brasília) de terça-feira.
A lei votada no dia 6 de setembro que determinou a realização do plebiscito no último dia 1.º previa que, se o “sim” vencesse, o Parlamento teria de declarar a independência em no máximo 48 horas, ou seja, até a noite de terça passada. Como essa lei, juntamente com o plebiscito, foi anulada pelo Tribunal Constitucional, e o governo central já disse que não reconhecerá a independência, digamos que ninguém vai cobrar o cumprimento de prazos.
Já a aprovação da independência está garantida no Parlamento regional: de seus 125 deputados, 72 são separatistas. Se o plano seguir adiante, no entanto, o mais provável é que o primeiro-ministro Mariano Rajoy dissolva o Parlamento catalão. O drama desse impasse está no fato de a Catalunha ser governada por um grupo separatista e a Espanha, pelo nacionalista Partido Popular de Rajoy. Parte dos esquerdistas do Partido Socialista Operário Espanhol (Psoe), que se alterna no poder com o PP, propõe uma solução federalista, com amplos poderes para as regiões.
Mas ainda há chance de uma saída política. O jornal catalão La Vanguardia noticiou que, segundo fontes do governo regional, Puigdemont aceitaria adiar a declaração de independência se Madri fizesse um gesto conciliatório, como por exemplo retirar os reforços policiais enviados à região.
Depois da publicação dessa notícia, o representante do governo espanhol na Catalunha, Enric Millo, fez o primeiro pedido de desculpas pela dura repressão contra a votação de domingo, que deixou mais de 800 feridos: “Quando vi as imagens, e sei que há pessoas que receberam golpes, empurrões e inclusive há uma pessoa no hospital, só posso pedir desculpas em nome dos agentes que intervieram”, disse ele à TV catalã.
A truculência policial aumentou na população a indignação contra o governo espanhol. Milhares de pessoas saíram às ruas da capital Barcelona e de outras cidades catalãs para protestar contra a repressão do domingo. Pesquisas antes do plebiscito indicavam que 40% apoiavam a separação. Os resultados anunciados pelo governo local confirmam essa tendência: 90% a favor da independência, mas com comparecimento de apenas 43% dos eleitores inscritos. Os que são contra a separação nem sequer participaram da consulta.
“Estamos completamente silenciados”, disse a cineasta catalã Isabel Coixet, que não apoia a independência. “Eles (os separatistas) criaram um clima de tensão no qual quem não concorda com eles não existe e é desacreditado. Muitas pessoas estão caladas. O maior problema que vejo é a dupla fratura que se criou, com a Espanha e entre os catalães.”
O time de futebol Barcelona foi uma das muitas entidades que pediram uma saída negociada. O Ministério das Relações Exteriores da Suíça informou estar em contato com líderes espanhóis e catalães, mas acrescentou que as condições para um diálogo ainda não estavam dadas.
Rajoy abriu a possibilidade de negociações com a participação de todos os partidos, para oferecer mais autonomia à Catalunha, mas desde que o governo regional abra mão da reivindicação de independência. “Não se pode dialogar com pessoas fora da lei”, resumiu o porta-voz do governo, Inigo Mendez de Vigo. Nisso consistem os processos de independência: romper com o que os governos centrais consideram “a lei”.
As empresas pressionam
O principal argumento dos separatistas é que a Catalunha — a região mais rica do país — paga mais impostos do que recebe em serviços. Entretanto, as reações do mercado e de empresários mostram que eles preferem continuar sendo parte da Espanha — maior destino das exportações catalãs, seguida pela União Europeia, que também já disse que não reconhecerá a independência.
“Tal declaração (de independência) mergulharia o país numa situação extraordinariamente complexa com consequências desconhecidas, mas graves”, declarou a associação empresarial catalã Círculo d’Economia. A Bolsa de Valores de Madri registrou na quarta-feira sua maior queda desde o plebiscito britânico em favor da saída da União Europeia, em junho do ano passado. Mas recuperou a maior parte das perdas no dia seguinte, quando o tribunal anulou a sessão de segunda do Parlamento regional.
As ações das empresas com sede na Catalunha caíram, diante da perspectiva de perderem acesso aos mercados espanhol e europeu. Em contrapartida, aquelas que anunciaram a transferência de suas sedes para outras regiões da Espanha registraram altas.
As primeiras a anunciar suas saídas foram a Eurona, de telecom, e a Oryzon Genomics, de biotecnologia. Ambas tiveram suas ações valorizadas. Os bancos Sabadell e CaixaBank, cujas ações haviam caído fortemente, fizeram o mesmo. O primeiro vai se transferir para Alicante e o segundo, para Valencia. O Banco Mediolanum, que pertence ao grupo italiano de mesmo nome, também trocará Barcelona por Valencia. A cooperativa de crédito Arquia Banca — antiga Caixa de Arquitetos — vai para Madri.
A Gas Natural Fenosa também vai se mudar de Barcelona para Madri. Seu conselho justificou a transferência perante a Comissão Nacional de Mercado de Valores “diante da situação política e social que a Catalunha está vivendo nas últimas semanas e devido à insegurança jurídica que isso gera, e enquanto se mantiver a situação”.
A fuga envolve os mais diversos setores. A sede da têxtil Dogi International, fundada em 1954, também vai para a capital espanhola, mesmo destino escolhido pela rede de postos de gasolina Ballenoil.
Até o presidente da Câmara de Comércio da Espanha, José Luis Bonet, anunciou que proporia ao conselho de administração de sua empresa, a fabricante de espumantes Freixenet, retirar sua sede da Catalunha, caso seja declarada a independência.
O governo central deu uma mãozinha no êxodo: aprovou por decreto uma mudança nas regras, permitindo que as empresas possam decidir suas transferências mediante votação apenas do conselho de administração, sem necessidade de convocar assembleia de acionistas.
Há 7.086 empresas estrangeiras na Catalunha, que respondem por 18% do emprego e 29% do faturamento na região. Entre elas, estão a Seat, subsidiária da Volkswagen que produz 2.000 carros por dia, a Ferrari, a Nestlé, as companhias aéreas Vueling e Level e a fábrica de tintas holandesa Akzo Nobel.
“Essas multinacionais não gostam de incertezas, e se tiverem de escolher entre a Catalunha e a União Europeia, poderão escolher a UE”, disse Steven Trypsteen, analista do banco holandês ING baseado em Bruxelas. Ele acrescentou que não crê que a independência se concretizará, por causa do poder do governo central espanhol de barrá-la.
A agência de avaliação de riscos Standard & Poor’s, que estudava elevar a nota da Espanha por causa do crescimento de 3,2% do PIB nos últimos dois anos, ameaça baixar a nota da Catalunha se as tensões aumentarem.
Raj Badiani, economista da consultoria IHS Global Insight, de Londres, disse ao jornal The Guardian que os problemas enfrentados pelas empresas na Catalunha são os mesmos no Reino Unido a partir da saída da UE: “Elas não sabem que tipo de acesso a mercados terão. Essa incerteza pesará na confiança dos negócios e nas intenções de investimentos”.
Apesar de sua pujança econômica, a Catalunha não encontrará uma União Europeia (UE) de braços abertos. O bloco se preocupa com o efeito dominó em outras regiões com aspirações separatistas, como o País Basco, na própria Espanha, a Córsega, na França, e até mesmo a Baviera, na Alemanha, sem falar na Escócia, que deixará de ser um problema institucional para a UE, com a saída do Reino Unido em 2019, mas que de qualquer maneira também serve de efeito-demonstração para os outros.
“O plebiscito na Catalunha aprofundou as rachaduras no plano da UE de maior integração, impulsionando o debate em torno da identidade em todo o continente”, analisa o economista Franz Buscha, especialista em integração europeia da Westminster Business School.
É tudo de que o bloco não precisa agora: “A UE se colocou como objetivo contrapor-se ao anti-liberalismo e ao nacionalismo crescentes, e está pressionada”, observa a jornalista francesa Natalie Nougayrède, ex-editora-chefe do Le Monde. “A crise catalã expõe seus limites políticos e sua dificuldade de fazer os cidadãos entenderem como ela funciona. Para a Europa, assim como para a democracia espanhola, é um grande teste.”
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