Em outra eleição antecedida por um ataque terrorista, o socialista Zapatero enfrenta o direitista Rajoy
MADRI – A Espanha disputa hoje um clássico. Em vez de Real Madrid e Barcelona, esquerda e direita se enfrentam num duelo cuja ferocidade se aproxima mais de uma tourada. Há uma semana, as últimas pesquisas davam cinco pontos de vantagem ao primeiro-ministro socialista, José Luis Rodríguez Zapatero, sobre o líder da oposição de direita, Mariano Rajoy, do Partido Popular. Pelo precedente, é preciso encará-las com um grão de sal. Assim como há quatro anos, um atentado terrorista mais uma vez se interpôs entre as sondagens e a votação.
Mas a coincidência pára aqui. Em 2004, quando quatro explosões em trens na periferia de Madri mataram 192 pessoas três dias antes das eleições, o governo do então primeiro-ministro José María Aznar ignorou os sinais de autoria da Al-Qaeda e insistiu no envolvimento do grupo Pátria Basca e Liberdade (ETA), com o propósito de prejudicar os socialistas, que defendem a autonomia e o diálogo com os separatistas. A manipulação custou a eleição ao seu Partido Popular (PP), embora antes do atentado liderasse as intenções de voto.
Na sexta-feira, foi a ETA quem de fato atacou, matando um ex-vereador socialista no País Basco. É difícil prever que influência o atentado terá sobre a votação de hoje, se alguma. Mas, segundo Lorenzo Navarrete, diretor do Colégio de Politólogos e Sociólogos de Madri, é possível que gere simpatia pelos socialistas e impulsione o comparecimento nas urnas. As pesquisas indicam que um maior comparecimento favorece o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE): num universo de 35 milhões de eleitores, o PP tem um piso e um teto de 10 milhões de votos, diz José Pablo Ferrándiz, diretor do instituto de pesquisas Metroscopia. “É muito difícil para ele crescer ou cair.” É o PSOE que pode arrebatar o voto do centro, que tende à abstenção. As pesquisas previram comparecimento de 75% a 78%.
Em 1996, o PSOE de Felipe González foi derrotado por um desarranjo na economia que se traduzia numa inflação de 5% e num desemprego de 22%. Seguiram-se oito anos de governo do PP, nos quais a Espanha entrou num círculo virtuoso de prosperidade e estabilidade. Ao fim de quatro anos de governo do PSOE, desemprego e inflação voltam a cruzar o caminho dos socialistas (Setor de construção fechará até 500 mil vagas).
Mas, de novo, a coincidência pára aqui. A situação é incomparavelmente melhor que em meados dos anos 90. E a maioria dos eleitores não culpa Zapatero por esses problemas, analisa o cientista político Fernando Caballero, da Universidade Carlos 3.º “A fábrica de dinheiro não está mais na Espanha, mas no Banco Central Europeu”, diz Caballero. “O Estado tem cada vez menos capacidade de intervir na economia. As diferenças entre os dois partidos não estão aí, mas no maior ou menor investimento social.”
Zapatero e Rajoy coincidem na falta de carisma. Entretanto, “Zapatero parece que fala de cima, enquanto Rajoy poderia ser seu vizinho”, descreve Fernando López, vice-presidente do Metroscopia. Rajoy foi incrivelmente agressivo nos debates, acusando Zapatero de “mentiroso”, de “não saber de nada” e de “não ter política para nada”. Mais comedido, Zapatero se concentrou em apresentar propostas no último debate, de segunda-feira, que venceu por 15 a 20 pontos, segundo as pesquisas. Os jornais espanhóis mostraram que Rajoy apresentou muito mais informações erradas que Zapatero.
A imprecisão de Rajoy denuncia um problema ideológico, na análise de Josefina Elías, diretora do instituto Opina. “O PP aglutina diferentes sensibilidades políticas, desde os sócio-liberais, do centro, até a extrema direita”, observa Josefina. “Isso é antinatural, e se nota nos debates. Rajoy é às vezes liberal, às vezes racista e fascista, contra os imigrantes. Com isso, perde o apoio de liberais na economia, que não conseguem votar numa legenda apoiada por nazistas.” O partido que deu origem ao PP apoiou a ditadura de Francisco Franco (1936 a 1975). Josefina prevê uma eventual divisão do PP, com Aznar formando um partido de extrema direita.
O PSOE, por sua vez, tem de repartir seus votos com uma aliança à sua esquerda, a Esquerda Unida, que tem 5% nas pesquisas. Mas, além de ter um discurso menos errático, por isso mesmo, também se beneficia do voto útil da esquerda, que não tolera a possibilidade de o PP vencer. Nas pesquisas diárias realizadas pelo Opina até o meio da semana passada, que a lei não permite divulgar, a liderança de Zapatero sobre Rajoy vinha se alargando.
O certo é que essas eleições consagram o bipartidarismo na Espanha, concordam os analistas. Cerca de 90% dos eleitores votarão ou no PSOE ou no PP. Embora não haja uma discrepância muito forte nas duas propostas de política econômica – os fundamentos da responsabilidade fiscal são igualmente abraçados -, as diferenças ideológicas se tornam visíveis nas nuances. O PP defende incentivos fiscais aos mais pobres; o PSOE prefere complementar renda e aumentar gastos sociais. A oposição quer fechar ainda mais as portas aos imigrantes; o governo promove contratos de trabalhadores estrangeiros nos países de origem. Rajoy se alarma com a predominância da língua e da cultura catalã, basca e galega sobre a espanhola nas regiões autônomas. Zapatero defende o seu alto grau de autonomia.
Na Espanha, a História não chegou ao fim.
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