Proposta de líder da oposição garantindo ensino em espanhol nas regiões autônomas é aprovada, segundo pesquisa
MADRI – Depois de terem livrado, há 30 anos, os idiomas catalão, basco e galego da implacável repressão sofrida na ditadura do general Francisco Franco (1936 a 1975), os espanhóis sentem que é hora de fazer o contrário: proteger o espanhol da avassaladora predominância dessas línguas nas regiões autônomas. Pesquisa do instituto Sigma Dos mostra que 88,2% dos entrevistados apóiam uma lei garantindo o ensino em espanhol em todo o país, proposta pelo líder da oposição de direita Mariano Rajoy, candidato a primeiro-ministro pelo Partido Popular na eleição de domingo.
No debate de segunda-feira, Rajoy colocou contra a parede o primeiro-ministro socialista José Luis Rodríguez Zapatero, candidato à reeleição, perguntando se ele apoiaria essa proposta. Zapatero não respondeu. Os eleitores responderam por ele. Segundo a pesquisa, a idéia é acolhida com entusiasmo até pelos eleitores do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de Zapatero, dos quais 88,3% são favoráveis. Entre os eleitores do PP – herdeiro do partido que apoiava o franquismo -, o índice é naturalmente maior: 97,9%. Até os eleitores da Esquerda Unida, que se situa à esquerda do PSOE, apóiam amplamente a idéia: 71%.
No País Basco, na Galícia, na Catalunha e nas Ilhas Baleares, as escolas ensinam em basco, galego e catalão, respectivamente. O espanhol é apenas uma matéria, como o inglês. “A proposta de Rajoy entra em conflito com a Lei das Autonomias (de 1979)”, analisa o sociólogo Juan Miguel de la Fuente, especialista em educação. As autoridades regionais de ensino têm autonomia para definir os currículos de suas escolas.
Ele explica que as crianças dessas comunidades têm mais interesse em estudar nas respectivas línguas, porque com isso aumentam as suas chances no mercado de trabalho, onde elas são mais valorizadas que o espanhol. O problema surge quando uma família se muda de uma região da Espanha para outra. As crianças enfrentam dificuldades para aprender.
Além disso, a língua representa uma reserva de mercado para os professores das comunidades, observa De la Fuente, que dá aula de geografia, história e ética numa escola secundária em Cantabria, a 35 quilômetros da cidade basca de Bilbao. “Eu não poderia trabalhar no País Basco, por exemplo, mas um catalão, um basco ou um galego pode trabalhar em qualquer lugar do país, porque domina o espanhol.”
Rajoy contou no debate a história do dono de uma imobiliária de Vilanova, na Catalunha, que teria sido multado em 400 euros por causa de uma placa em espanhol. O candidato deu a entender que o espanhol era proibido na Catalunha. “A política de língua é a mesma aplicada há 20 anos”, limitou-se a responder Zapatero. Na verdade, Manuel Nevot foi multado – recorreu e ainda não pagou – porque a palavra “fincas” (sítios, chácaras) no nome da firma (Fincas Nevot) está só em espanhol, e não em catalão também, como exige a lei.
“Uma Espanha forte deve ficar unida, e não dividida”, argumentou Zapatero, que lidera as pesquisas de intenção de voto com 5 pontos porcentuais sobre Rajoy. O candidato do PP o acusou de enganar a ele como líder da oposição e de mentir aos espanhóis por ter negociado com o grupo separatista Pátria Basca e Liberdade (ETA), com isso cedendo ao terrorismo. Zapatero respondeu com uma comparação desconcertante: nos oito anos de governo do PP (entre 1996 e 2004), 238 pessoas foram mortas em ataques terroristas, incluindo 192 no atentado da Al-Qaeda nos trens de Madri em março de 2004; no atual governo socialista, foram 4 mortes.
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