O último debate entre os sete candidatos a presidente ou seus representantes (um está exilado e outro, preso), desfilou todo o entrecruzamento possível do espectro ideológico: “independentistas” e “unionistas” da esquerda à direita
BARCELONA — Os catalães podem se queixar do que quiserem. Menos de falta de opções nas eleições dessa quinta-feira, que equivalem a um plebiscito sobre a aventura separatista da região em relação à Espanha. O último debate entre os sete candidatos a presidente ou seus representantes (um está exilado e outro, preso), desfilou todo o entrecruzamento possível do espectro ideológico: “independentistas” e “unionistas” da esquerda à direita.
O debate de duas horas foi realizado pelo canal La Sexta em espanhol — o que por si só dá uma dimensão do seu significado nacional. Afinal, apenas os 5,5 milhões de eleitores catalães votarão. Foi o programa mais assistido na noite de domingo na Espanha, por 2,4 milhões de pessoas, e audiência de 13,3% no país e de 20,4% na Catalunha.
Carles Puigdemont, o presidente destituído pelo governo central espanhol, cujo complexo sobrenome o mundo (ou pelo menos os jornalistas) teve de aprender a soletrar depois que ele declarou a independência com base no plebiscito do dia 1.º de outubro, foi um dos ausentes.
O ex-jornalista está exilado em Bruxelas desde o dia 31, quando o governo, chamado de Generalitat, e o Parlamento catalães foram dissolvidos, com base no agora famoso artigo 155 da Constituição, nunca antes usado.
Puigdemont fugiu para não responder ao processo por rebelião, que prevê até 30 anos de prisão. Ele foi representado no debate por Josep Rull, que era secretário de Território e Sustentabilidade. Seu Partido Democrata Europeu Catalão (PDeCAT) era considerado de direita por suas teses liberais para a economia, mas se uniu à esquerda separatista depois das eleições de 2015, para formar governo, numa coalizão chamada Juntos pelo Sim, numa referência ao plebiscito.
Para concorrer a essa eleição, Puigdemont trocou o nome de sua legenda, acusada de corrupção, por Juntos pela Catalunha (JuntsxCat).
No debate, estava cada um para si. A declaração unilateral de independência, que atropelou a Constituição espanhola, causou a fuga de 3.000 empresas, incluindo 2 bancos, e um enorme estrago na imagem da coalizão.
Rull procurou defender a tese de que o “Procés”, como é chamado o plebiscito seguido da declaração de independência, “não afetou a economia da Catalunha, que é a segunda região da Europa continental em investimentos produtivos”. Ele acusou o primeiro-ministro Mariano Rajoy, do Partido Popular (PP), de direita, de ter “convidado as empresas a sair da Catalunha”, por causa de um decreto do governo espanhol que permitiu que as diretorias decidissem transferir suas sedes, sem necessidade de convocar os conselhos de acionistas, como era antes a regra.
Xavier Albiol, o candidato do PP, respondeu que o governo teve de tomar essa medida porque, logo depois da declaração de independência, “as pessoas sacaram 6 bilhões de euros dos bancos”, e as empresas entraram em uma situação de emergência. Muitos economistas afirmam que a transferência de sede das empresas tem um valor mais simbólico do que prático.
Inés Arrimadas, no entanto, a única mulher entre os sete candidatos, lembrou o caso de Montreal: “As empresas foram embora de Quebec e nunca mais voltaram”, disse ela, referindo-se ao êxodo provocado pela eleição do Partido Quebequense, nacionalista, em 1976. Arrimadas é candidata do Cidadãos, que surgiu na Catalunha em 2006, como um movimento contra a separação da Espanha, e se tornou um partido de centro-direita alternativo aos políticos tradicionais.
Procurando reforçar suas credenciais sociais, Arrimadas acusou o governo separatista de ter desviado recursos da educação e da saúde para a campanha em favor da independência, incluindo a abertura de embaixadas catalãs em outros países e viagens pelo exterior. “Investiram zero euro em creches”, disse ela, prometendo retomar os gastos sociais. Sem explicar exatamente como chegou a esse cálculo, Rull garantiu que, para cada euro gasto em viagens dos integrantes do governo catalão, retornaram 141 euros em investimentos estrangeiros para a região.
Os separatistas foram muito pressionados a responder se manteriam a tática da “unilateralidade”, que se transformou em um palavrão na Espanha, sinônimo de ação antidemocrática e inconstitucional. “Sempre defendemos o diálogo e a negociação”, garantiu Carlos Mundó, que estava representando o candidato da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), Oriol Junqueras. Vice-presidente e secretário da Fazenda destituído, Junqueras está preso em Madri, junto com outros sete ex-secretários do governo catalão.
A pergunta impõe um risco para os representantes tanto dos presos quanto do grupo de Puigdemont, sobre o qual também pairam ordens de prisão, porque uma posição em favor de ações consideradas ilegais pode complicar a defesa deles perante a Justiça.
“Antes de ser independentista, a ERC é democrata”, afirmou Mundó. “Mas não é admissível que chamemos os cidadãos a votar, que eles escolham a república, e alguém não goste e a rejeite.” A “república” é outra forma de se referir à independência da Catalunha, em relação à monarquia espanhola. Rull, o representante de Puigdemont, seguiu a mesma linha: “Sempre acatamos o resultado eleitoral”.
A terceira força separatista, a Candidatura da Unidade Popular (CUP), de extrema esquerda, adotou uma tática diferente no debate. O partido é anarquista, anticapitalista e anti-sistema. Sua luta pela independência da Catalunha está baseada na visão de que o poder deve ser local, não exatamente na ideia de um Estado independente, como querem seus parceiros de direita e de esquerda na antiga coalizão de governo.
O candidato da CUP, Vidal Aragonés, de 39 anos, que trabalha como assessor jurídico de sindicatos, passou o debate inteiro escapando da polêmica sobre se a declaração unilateral foi ou não correta, e defendendo a plataforma de governo do partido, sobretudo a fusão dos sistemas de saúde e de educação públicas e a eliminação das empresas privadas nesses setores. A CUP foi justamente quem exigiu que Puigdemont, um separatista sangue-puro, assumisse a liderança do PDeCAT, para apoiá-lo na coalizão, e o pressionou para que declarasse a independência depois do plebiscito.
Dois outros candidatos tinham de prestar contas no debate pelo motivo inverso ao da radical CUP: a flexibilidade em suas posições. Albiol e Arrimada, os candidatos claramente anti-independência, e a âncora do debate, Ana Pastor, pressionaram Miguel Iceta, do Partido Socialista Catalão (filial regional do PSOE), a dizer se apoiaria ou não um eventual governo dos esquerdistas separatistas da ERC.
“Estamos abertos a negociações para acordos em votações no Parlamento”, disse Iceta. “Não vou apoiar a ERC e eles não vão me apoiar.” A questão mostra o quanto independência x união é uma separação mais determinante, para os catalães, do que outras identificações ideológicas.
Iceta lembrou que os socialistas tentaram convencer Puigdemont a convocar eleições, o que evitaria a destituição do governo e do Parlamento, mas o então presidente se negou. Os separatistas se apresentam nessas eleições como vítimas do autoritarismo do governo central espanhol.
O único candidato que resistiu a abandonar a divisão esquerda x direita em favor da independência x união foi Xavi Domènech, do Podemos, outro movimento nacional que se apresenta como alternativa aos partidos políticos tradicionais, e que na Catalunha é chamado de Comuns. “Somos uma força progressista e defendemos um governo que não seja de direita, nem Puigdemont nem Arrimada”, disse Domènech, cujo partido administra a cidade de Barcelona.
Simbolismos importam
O visual de cada candidato indicava suas intenções. Rull e Mundó, os separatistas de direita e de esquerda, respectivamente, traziam fitas amarelas na lapela, representando a bandeira da Catalunha. Eram também os únicos de terno e gravata, para lhes conferir imagem de “estadistas”. O anarquista Aragonés não usava a cor nacional catalã, e vestia uma camisa branca.
Albiol, do Partido Popular, cuja origem está vinculada ao nacionalismo da ditadura de Franscisco Franco (1939-75), era o único que tinha no paletó uma fita vermelha e amarela, as cores da bandeira espanhola. Em compensação, não usava gravata, para não parecer elitista. Arrimadas estava toda de verde, e não muito formal. Domènech, de brinco e sapatênis, fazia o estilo jovem, quase hipster.
Em Barcelona, as tensões que envolvem esse processo eleitoral, considerado o mais crucial desde a volta da democracia, há 40 anos, não são visíveis. Até as bandeiras catalãs e espanholas, hasteadas depois do plebiscito, foram guardadas.
Mas isso não quer dizer que os moradores estejam indiferentes ao que se passa. Pelo contrário. Nessa quinta-feira, é esperado um comparecimento recorde nas urnas, de mais de 80%. Nos últimos anos, os nacionalistas davam mais importância para as eleições regionais, o que levou os separatistas ao poder. No plebiscito, apenas 43% dos eleitores votaram, e deles, 90%, no “sim”. Dessa vez, depois do susto da declaração da independência, os que não querem a separação deverão comparecer também.
Segundo a última pesquisa, do instituto Metroscopia, publicada no dia 15 pelo jornal El País, os separatistas somam 43,8% das intenções de voto (23,1% para a ERC, 14,3% para o Juntos pela Catalunha e 6,4% para a CUP). Os “constitucionalistas” reúnem 44,9% (25,2% para Cidadãos, 14,3% para os socialistas e 5,4% para o PP).
A diferença está dentro da margem de erro e o Podemos emerge como fiel da balança, com 9,3%. Eles vão ter de sair do muro. De qualquer forma, agora os catalães já sabem o que acontece se seu governo declara independência: ele é destituído.
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