Dois atrás, atividade empregava 13% da força de trabalho espanhola
MADRI – A três dias das eleições gerais, o jornal ABC, um dos maiores do Espanha, estampou na quinta-feira uma manchete pouco animadora: “A crise na construção civil deixará no desemprego 1.140.000 pessoas este ano.” Aparentemente, a conta está exagerada, segundo o diretor de análise econômica do Instituto de Estudos Econômicos, Gregório Izquierdo. O especialista diz que é cedo para estimar um número exato, pois “depende da intensidade e da duração da desaceleração”, mas o setor de construção de residências deve fechar este ano entre 250 mil e 500 mil vagas.
Num universo de cerca de 1 milhão de vagas, é um número impactante, assim mesmo.
Principalmente considerando que cada dois empregos criados diretamente na construção civil gera um em outros setores da economia, diz Izquierdo. No boom da construção civil, há dois anos, o setor chegou a empregar 13% da força de trabalho espanhola (22,4 milhões). Os bancos destinavam 60% de seus créditos à moradia. A Espanha construía mais casas que a França, a Alemanha, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, somados. E consumia metade do cimento da Europa. Entre 2004 e 2007, a Espanha foi responsável por 11% do crescimento da zona do euro e por 40% dos empregos criados nesses 15 países, dos quais se tornou a quarta economia, superando a renda per capita da Itália.
Assim como o boom da construção civil puxou a economia espanhola, que cresceu acima de 4% ao ano nos últimos quatro anos, a crise no setor também compromete fortemente a atividade econômica. Depois de um crescimento de 3,5% em 2007, estima-se que fique entre 2,0% e 2,6% este ano. De seis meses para cá, o desemprego subiu um ponto porcentual, para 8,6%. A produção industrial caiu 0,3% em dezembro.
A desaceleração, iniciada em meados do ano passado, teve origem no aumento gradual da taxa básica de juros pelo Banco Central Europeu, de 2%, em dezembro de 2005, para 4%, em junho de 2007. A medida foi para conter a inflação crescente na Europa, problema mais crítico justamente na Espanha, onde bateu em 4,3%. Segundo José Antonio Pérez, do Instituto de Prática Empresarial, mudanças na lei causaram insegurança jurídica, e o aumento do tempo de recuperação dos investimentos e do desemprego, desconfiança dos investidores.
O governo afirma que tem dinheiro em caixa para contornar a crise, graças ao superávit fiscal, que em 2007 foi de 2,23% do PIB, impulsionado por um aumento de 11,8% na arrecadação sobre o ano anterior. “O problema é que o governo, por ocasião das eleições, aumentou fortemente os gastos públicos no último ano e meio, e isso vai comprometer a margem orçamentária para enfrentar a crise”, adverte Izquierdo. “Com a eventual redução da arrecadação, poderemos passar no curto prazo do superávit para o déficit.” Para o economista, “o correto seria baixar mais os impostos diretos e contribuições sociais, para estimular o crescimento e a geração de empregos, e não aumentar o gasto público com medidas populistas”, como o aumento das aposentadorias, e ajudas de custo para o aluguel e para quem tem bebês.
“O gasto público pode ter aumentado em números absolutos, mas como porcentagem (do PIB), não subiu mais de dois décimos”, discorda o economista José Juan Ruiz, do Banco Santander. “Déficit na conta externa (10% do PIB) e desaceleração na construção civil são duas palavras feias, mas não impedem que a economia espanhola cresça um ponto acima da média na Europa.” As eleições de hoje dirão em que medida prevalecem o pessimismo de Izquierdo e o otimismo de Ruiz.
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