Protesto contra independência reúne 5 mil sérvios em Kosovo

Separados dos albaneses por um rio, representantes de minoria sérvia da cidade de Mitrovica rejeitam divisão

MITROVICA, Kosovo – Eram 12h44 quando o hino nacional da Sérvia começou a tocar, despertando fortes sentimentos nos cerca de 5 mil kosovares sérvios que se reuniram ontem em Mitrovica, no noroeste de Kosovo, para protestar contra a independência da ex-província sérvia, proclamada no domingo. Se os albaneses são minoria na Sérvia, os sérvios são minoria no novo país criado pelos albaneses – e não se conformam com essa condição.

Desde a proclamação da independência pelo Parlamento de Kosovo, no domingo, os sérvios do norte de Mitrovica – separados pelo Rio Ibar dos albaneses que vivem ao sul da cidade – se reúnem nesse mesmo horário. O número é uma referência à resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU, que em 1999 assegurou a “integridade territorial” da Sérvia, com “autonomia substancial para Kosovo”, ao criar uma missão das Nações Unidas (Unmik) no território.Com base nela, os kosovares sérvios consideram “ilegal” a independência de Kosovo, proclamada pela maioria albanesa e reconhecida pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália e Turquia, entre outros.

“Kosovo é Sérvia e nunca nos renderemos, apesar da chantagem da União Européia”, discursou Dragan Deletic, representante do governo sérvio, que não reconhece a independência, assim como a Rússia, tradicional aliada do país. A União Européia, que se prepara para enviar 1.800 policiais, juízes, promotores e fiscais de alfândega para ajudar o governo do novo país a manter a lei e a ordem, acena com um futuro ingresso no bloco tanto de Kosovo como da Sérvia, em troca da reconciliação e da aceitação da independência.

“Não reconheço o Estado albanês de Kosovo”, disse Melissa Rakic, estudante de sociologia de 21 anos, que participava da manifestação junto com duas colegas, com o rosto pintado de branco, azul e vermelho, as cores da bandeira sérvia. À pergunta sobre se a solução não seria manter na Sérvia apenas a região norte, onde se concentra a maior parte dos 120 mil sérvios de Kosovo (de uma população de 2 milhões), Melissa respondeu: “Não quero a divisão de Kosovo. Esta é a terra santa da Sérvia.”

Nas caixas de som do palanque montado na Avenida Sumadija, a principal do norte de Mitrovica, tocava a tradicional canção patriótica Vidovdan, para comoção dos manifestantes: “Onde quer que eu vá no mundo todo, tenho de voltar a Kosovo. Deus poderoso, você deve nos ajudar a manter Kosovo em nossa alma. Temos de lutar por ele.”

O pequeno território de menos de 11 mil km² foi cenário, nos últimos séculos, de sangrentas batalhas entre os sérvios e os árabes, turcos e albaneses, e nele se encontram algumas das mais importantes igrejas e locais sagrados para os cristãos ortodoxos sérvios, que dizem que eles não podem ficar nas mãos dos albaneses (90% da população), em sua maioria muçulmanos. Melissa e suas colegas contaram que nunca tiveram amigos albaneses, apesar de a pouco mais de cem metros dali, cruzando o rio, e na mesma cidade de Mitrovica, a população ser praticamente toda albanesa.

Helicópteros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que assumiu a defesa do território depois de bombardear as forças sérvias em 1999, sobrevoaram Mitrovica durante todo o dia. As ruas eram patrulhadas por veículos blindados da Kfor, a força liderada pela Otan com 16 mil soldados de 35 países.

Soldados franceses a serviço da Kfor impediram ontem a entrada no território de ônibus com manifestantes vindos da Sérvia. Mas, segundo a Associated Press, alguns parecem ter conseguido furar o bloqueio, e participado de uma escaramuça com a polícia, na ponte sobre o Rio Ibar, que separa os lados sérvio e albanês. Os manifestantes jogaram pedras e garrafas nos policiais, mas ninguém saiu ferido.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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