Protesto contra independência de Kosovo reúne 150 mil em Belgrado; corpo carbonizado é encontrado no prédio
PRISTINA – A indignação dos sérvios diante da proclamação da independência de Kosovo explodiu ontem em Belgrado, na Sérvia, numa manifestação que reuniu pelo menos 150 mil pessoas, segundo cálculos das agências internacionais. Inicialmente pacífica, a manifestação tornou-se violenta quando centenas de pessoas invadiram a embaixada dos EUA, ateando fogo em partes do complexo, que estava fechado e sem segurança.
Cerca de 100 pessoas ficaram feridas, incluindo 32 policiais e um jornalista holandês. Um corpo carbonizado foi encontrado na embaixada americana. Diplomatas americanos disseram que ninguém do corpo diplomático ficou ferido e que, provavelmente, o corpo pertence a algum manifestante que ficou preso no prédio.
O protesto foi encabeçado pelo próprio primeiro-ministro da Sérvia, Vojislav Kostunica. “Enquanto nós vivermos, Kosovo é Sérvia”, disse o chefe de governo, num palanque montado na frente do Parlamento.
Embora atualmente 90% dos 2 milhões de habitantes da ex-província sérvia sejam de etnia albanesa, Kosovo é considerado historicamente o “coração” da Sérvia por ter sido uma região importante do Reino Sérvio durante a Idade Média.
O porta-voz do Departamento de Estado americano, Sean McCormack, exortou as autoridades a controlar a situação. Os EUA, que no governo do ex-presidente Bill Clinton lideraram em 1999 a ofensiva da Otan contra forças sérvias que reprimiam os albaneses em Kosovo, reconheceram rapidamente a independência da ex-província, aprovada no domingo.
França, Alemanha, Grã-Bretanha, Itália e Turquia, entre outros, também fizeram o mesmo. Os turcos governaram o território durante o Império Otomano. A Itália o controlou, indiretamente, durante a 2ª Guerra, por meio da Albânia, que estava sob sua tutela.
A polícia de choque, apoiada por veículos blindados, disparou bombas de gás lacrimogêneo contra os que atacavam a embaixada. A TV estatal de Kosovo disse que havia uma bandeira russa com os manifestantes. A Rússia, aliada da Sérvia, pode impedir o ingresso do país na ONU, em cujo Conselho de Segurança tem poder de veto. As embaixadas britânica, croata e canadense também foram alvos de ataques, assim como agências de bancos estrangeiros.
“Não descansaremos até que Kosovo esteja de novo sob controle da Sérvia”, disse o líder ultranacionalista Tomislav Nikolic, derrotado nas eleições sérvias do dia 2. Os kosovares esperaram a eleição para proclamar a independência, com receio de incentivar os sérvios a votar nos nacionalistas. “Se Hitler não pôde tirá-lo (Kosovo) de nós, eles também não conseguirão”, prosseguiu Nikolic. Depois dos discursos, a multidão caminhou até o Templo de São Sava, catedral de Belgrado. Os sérvios são ortodoxos, enquanto a maioria dos albaneses é muçulmana, embora sigam uma linha bastante moderada.
Os 1.800 policiais, juízes, promotores e outros funcionários ligados à manutenção da “lei e da ordem”, prometidos pela União Européia, já começaram a chegar a Pristina, capital do Kosovo. Outros 16 mil soldados da Otan garantem a defesa do território.
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