HÉNIN-BEAUMONT, França – Não é por acaso que Marine Le Pen vota em Hénin-Beaumont. Nessa cidade do norte da França, na região de Nord-Pas-de-Calais, marcada pela decadência da desindustrialização e pelo fechamento das minas de carvão, a candidata da Frente Nacional (FN) venceu com 46,5% dos votos – mais do dobro de sua votação nacional (21,3%), que a colocou em segundo lugar, atrás de Emmanuel Macron.
Desde 2014, Hénin-Beaumont, cidade de 25 mil habitantes relativamente pobre, para os padrões franceses, é administrada pelo prefeito Steeve Briois, que é também presidente interino da FN. Em entrevista exclusiva a ÉPOCA, Briois, de 45 anos, explica as propostas de seu partido, sua estratégia para vencer neste domingo (7) ou para se consagrar como a maior força de oposição nas eleições legislativas do mês que vem.
Tendo Hénin-Beaumont como microcosmo, Briois, um comerciante que aos 21 anos de idade entrou para a política, afirma que seu partido é capaz de reduzir os impostos e aumentar a segurança, acabando com a corrupção. Deputado pelo Parlamento Europeu, ele diz que a França deve limitar a imigração, controlar as fronteiras, sair da União Europeia e “recuperar sua soberania” para proteger sua economia da globalização.
Entretanto, a entrevista mostra também seu exercício de moderação e cautela para afastar acusações contra a FN de que poderia causar uma “guerra” na Europa e atrair os votos de outros eleitores neste segundo turno. Segue a íntegra.
ÉPOCA – Qual é a marca de sua gestão que identifica a FN?
Steeve Briois – A principal coisa que fizemos foi cumprir as promessas. Isso é muito raro na política francesa. A primeira foi baixar os impostos municipais. Em 2014 diminuímos 10% o imposto predial, 5% em 2015 e neste ano vamos baixar outros 3%.
ÉPOCA – Mas uma das promessas da FN é aumentar os serviços do Estado. Como combinar isso com menos impostos?
Briois – Temos menos impostos, menos gastos do Estado e, apesar disso, aumentamos o efetivo da Guarda Municipal para garantir a segurança de nossa população. Já os socialistas diminuíram o efetivo da Guarda.
ÉPOCA – E como fazer isso com menos dinheiro?
Briois – Antes as licitações eram fraudadas. A prefeitura paga o dobro do preço de mercado. A corrupção era generalizada. O ex-prefeito [o socialista Eugène Binaisse] acabou na prisão. O fato de ter aberto as licitações à concorrência nos permitiu diminuir os custos. Com essa economia, investimos nos serviços, principalmente de segurança.
ÉPOCA – Aqui há muitos estrangeiros, muçulmanos. Como é a relação de sua gestão com eles?
Briois – Não há muitos. Hénin-Beaumont não enfrentou uma onda de imigração. Está bastante calmo aqui.
ÉPOCA – Eles estão aqui há muito tempo?
Briois – Exato. Houve aqui ondas sucessivas de imigração. De maneira geral, há uma verdadeira política de assimilação.
ÉPOCA – Quantos muçulmanos são?
Briois – É proibido na França fazer estatística.
ÉPOCA – Mas é uma percentagem pequena?
Briois – Sim. Um estudo mostrou que havia 3,8% de imigrantes em Hénin-Beaumont, o que é muito pouco.
ÉPOCA – E o que vocês propõem fazer com os novos imigrantes na França?
Briois – No nível nacional, queremos limitar a imigração. A França não tem a capacidade financeira de oferecer trabalho, moradia e ajudas diversas para uma nova onda de imigração. Há uma grave crise de moradia na França. Só na minha prefeitura temos uma demanda não atendida de mais de 1.000 moradias, e continua crescendo. Portanto, seria indecente, tanto para a população daqui quanto para os estrangeiros, deixar que atravessem a fronteira.
ÉPOCA – A indústria e a mineração que eram tradicionais nessa região desapareceram?
Briois – Aqui não há mais nenhum emprego industrial. A região de Pas-de-Calais era chamada de Bacia Mineira. As minas fecharam em 1970. Todas as indústrias fecharam em razão da globalização. E sobretudo em razão da submissão da política ao poder das finanças. As leis hoje em dia não protegem os assalariados, e eles ficam expostos à concorrência ultradesleal. E ainda por cima vêm os imigrantes, que são contratados pelos patrões por salários mais baixos. Graças aos gênios da União Europeia, os romenos e poloneses por exemplo entram legalmente e recebem os salários pagos em seus países de origem. É uma nova forma de escravidão, causada pela globalização, combinada com as políticas liberais da União Europeia. O índice de desemprego em Hénin-Beaumont é de 17% a 18%. Na França (9,7%), está caindo, mas o índice é fraudado.
ÉPOCA – O senhor acha possível reindustrializar a França?
Briois – É possível parar a transferência [das empresas]. Por exemplo, uma empresa de Somme [cidade ao sul de Hénin-Beaumont] decidiu se transferir para a Polônia, porque o salário lá para fazer o mesmo trabalho é € 470, enquanto que aqui o salário mínimo é € 1.200.
ÉPOCA – Qual a estratégia da FN para vencer neste domingo?
Briois – Duas coisas. O essencial é servir à França, como civilização e como estratégia. Marine Le Pen deseja que a França possa perdurar, como nação livre, que não dependa de outra potência estrangeira, a começar pela União Europeia. A França está presa na regulação mundial desde que foi jogada no magma europeu e perdeu sua soberania. Tornou-se uma pequena província da Europa.
ÉPOCA – A ideia é sair da União Europeia?
Briois – Eu distingo a Europa, que em sua base é um bom projeto, da União Europeia. Nós somos todos europeus. Não temos conflitos com os países vizinhos. Compartilhamos a mesma cultura, grosso modo, a mesma civilização, as mesmas aspirações, quase o mesmo modo de vida e religião. Queremos preservar a paz, mas também que a nação seja soberana no seio da Europa. Nos últimos 20 anos, ela tem sido mal construída. Desde que ela se tornou União Europeia, as coisas se agravaram. Queremos reconstruir uma Europa de nações livres e soberanas, seguir os projetos europeus, mas sem aceitar imposições de Bruxelas. A União Europeia desencadeou uma nova guerra, a guerra econômica.
ÉPOCA – E eliminar o Espaço Schengen (livre circulação entre as fronteiras)?
Briois – Sim, por uma questão de segurança. O Espaço Schengen permitiu a vantagem de circular livremente. Isso é bom. Mas permitiu também o tráfico de drogas e o terrorismo.
ÉPOCA – Donald Trump apoia a Frente Nacional. O senhor acha que as relações entre a França e os Estados Unidos seriam melhores em um governo da Frente Nacional?
Briois – Há semelhanças, sim. Em todo caso, o que queremos é recuperar nossa soberania em termos de imigração e segurança. Queremos rever Schengen, recuperar nossas fronteiras. Nossos adversários nos caricaturizam, dizem que queremos construir um muro. A questão não é essa, mas sim limitar a entrada na França, controlar as pessoas que vêm, ter uma guarda de fronteira eficaz.
ÉPOCA – Depois o grande desafio será eleger uma bancada de deputados em junho. Qual será a estratégia para isso?
Briois – Há duas hipóteses: se Marine Le Pen ganhar neste domingo, ela terá um grupo parlamentar majoritário para as eleições legislativas. Os partidos convencionais, socialista e republicano, na medida em que saem derrotados na eleição presidencial, ficam distanciados do eleitorado. Se Marine Le Pen não for eleita, a Frente Nacional será a principal força de oposição.
ÉPOCA – Por que o senhor acredita que, se ela for eleita, vocês terão automaticamente uma grande bancada de deputados?
Briois – Porque o eleitorado apoia a lista de deputados do vencedor da eleição presidencial, para que possa governar a França e sobretudo para que possa colocar em prática as políticas que prometeu.
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