PARIS, França – Depois do Brexit e da eleição de Donald Trump, o mundo — e dois terços da França — respira aliviado: as pesquisas estavam certas, e o Palácio do Eliseu continuará sendo habitado por alguém que acredita no livre comércio, na União Europeia, nas leis de mercado e num ponto de equilíbrio entre manter as fronteiras abertas, de um lado, e evitar o fluxo descontrolado de imigrantes, de outro.
O centrista Emmanuel Macron, do movimento Em Marcha!, derrotou a ultra-nacionalista Marine Le Pen, da Frente Nacional (FN), pela convincente margem de 65,5% a 34,5%. Aos 39 anos, Macron será o presidente mais jovem da história da França. Vindo do mercado financeiro, ele foi conselheiro e depois ministro da Economia do governo do presidente socialista François Hollande, até sair em meados do ano passado para se lançar à presidência.
O fantasma da abstenção se confirmou: 26%, índice mais alto desde 1969. Mas não a ponto de prejudicar muito Macron, cujo temor era e o de que os eleitores de esquerda, que somaram cerca de 27% dos votos no primeiro turno, não quisessem pagar o preço de apoiar um programa econômico liberal em nome de evitar a eleição de Le Pen. Parte deles engoliu o sapo.
Mesmo assim, nessa eleição marcada pela ausência das duas grandes legendas, Republicanos e Partido Socialista, a FN alcançou uma votação histórica: em torno de 10 milhões de votos. Seu recorde anterior tinha sido no primeiro turno, dia 23: 7,6 milhões. A única outra vez em que o tradicional partido extremista concorreu num segundo turno havia sido com seu fundador, Jean-Marie Le Pen, pai de Marina, que obteve 18% dos votos contra Jacques Chirac, em 2002.
Macron e Le Pen tiveram uma conversa “breve e cordial” pelo telefone depois do anúncio da vitória do candidato centrista, segundo sua assessoria. Em um discurso mais tarde, ela lamentou que os franceses não optaram pela “verdadeira mudança”.
Às 20 horas locais (15 horas em Brasília), quando as urnas se fecharam e os resultados da boca-de-urna e das projeções da contagem de votos foram anunciados, houve uma explosão de alegria na área do Museu do Louvre, no centro de Paris, onde os correligionários de Macron se aglomeravam, muitos deles agitando bandeiras da França. Mais tarde, Macron se juntou à festa no local, que incluiu o grupo Magic System e os cantores Michael Canitrot e Cris Cab.
O presidente eleito disse que “é responsabilidade dele ouvir a voz dos eleitores de Le Pen”, que, como ocorreu com Donald Trump nos EUA, atraiu o voto de trabalhadores das indústrias e da mineração, muitas delas fechadas ou transferidas para outros países em busca de mão-de-obra mais barata. “Sei as divisões de nosso país que conduziram alguns a votos extremos. Sei a cólera, a ansiedade, as dúvida que uma grande parte de vocês exprimiu”, reconheceu ele. “Uma nova página de nossa longa história se abre esta noite. Quero que ela seja a da esperança e da confiança reencontrada. Minha responsabilidade será apaziguar os medos, renovar o otimismo e reencontrar o espírito da conquista”.
Durante a campanha, Macron prometeu um alívio de 22 bilhões de euros em créditos tributários sobre os salários, para respaldar a competitividade e diminuir o desemprego, atualmente em 9,7%. E mais um fundo de 10 bilhões de euros para financiar a inovação na indústria. Para combinar diminuição de impostos com aumento de investimentos públicos sem desequilibrar ainda mais as contas públicas, ele pretende cortar gastos. A começar pelo número de ministérios, que será enxugado de 34 para 15.
Hollande ligou 35 minutos depois do fechamento das urnas para felicitar Macron pela vitória. O candidato de seu partido, Benoît Hamon, ficou num distante quinto lugar no primeiro turno, com apenas 6% dos votos — uma desempenho compatível com a baixa popularidade do governo.
Nesta segunda-feira, Hollande e Macron já participam lado a lado das comemorações da vitória aliada na 2a. Guerra Mundial, feriado na França — o que também contribuiu para o baixo comparecimento. Já no próximo domingo 14, Hollande passará a faixa presidencial a Macron. Começará então um governo de transição, até a eleição dos 577 deputados da Assembleia Nacional, realizada em dois turnos, nos dias 11 e 18 de junho. O voto é distrital, e os candidatos que não obtiverem mais de 50% em suas circunscrições disputarão com o segundo colocado no fim de semana seguinte.
Com um sistema misto de presidencialismo e parlamentarismo, no qual o presidente cuida das políticas externa e de defesa e o primeiro-ministro toca o dia-a-dia do governo, a França tem um calendário intenso para evitar vazios de poder. Pois é esse vazio que os partidos, tanto à direita quanto à esquerda, excluídos do segundo turno, pretendem ocupar, para se projetar para um governo de coabitação com Macron, cujo Em Marcha! não tem uma máquina partidária.
Já neste domingo, em seguida à vitória de Macron, começaram as ofertas de negociação para a formação de um governo de maioria no Parlamento. O primeiro a se apresentar foi o deputado Bruno Le Maire, dos Republicanos, derrotado na primária do partido de centro-direita, em novembro: “Sou há muitos anos direita, mas posso trabalhar em uma maioria de governo. A hora não é de sectarismo”.
O candidato presidencial do partido, o ex-primeiro-ministro François Fillon, ficou em terceiro lugar no primeiro turno, com 20% dos votos. No segundo turno, apoiou Macron, como forma de barrar Le Pen. A posição de Le Maire, no entanto, está longe de ser consenso no partido. O senador François Baroin, coordenador da campanha dos Republicanos para as eleições legislativas do mês que vem, ameaçou de expulsão quem apoiar Macron, e adiantou que Le Maire certamente terá um concorrente do partido na disputa da vaga de deputado em seu distrito, se insistir nessa ideia.
Jean-Luc Mélenchon, o candidato dos comunistas, que ficou em quarto lugar no primeiro turno, com 19% dos votos, também não deixou por menos. Logo depois do anúncio da vitória de Macron, leu um pronunciamento, no qual acusou o presidente eleito de lançar uma “guerra contra os direitos adquiridos” dos franceses e de “irresponsabilidade ambiental”.
Mélenchon para se diferenciar do candidato centrista e se projetar como líder da esquerda, recomendou a seus eleitores que não votassem em Le Pen mas não recomendou que votassem em Macron no segundo turno. Na noite de domingo, ele discursou: “Apelo a todos os que querem romper com o passado a votar nas legislativas pela França insubmissa”, numa referência ao slogan de sua campanha. “Unam-se, não abram mão de nada. Este país não está condenado nem aos ricos nem aos propagadores do ódio”.
Como se vê, a batalha de Macron para governar a França está só começando. Mesmo assim, ele prometeu aprovar medidas contra a corrupção e pela “moralização da vida pública” ainda nesse governo de transição. O homem tem pressa. Os franceses, também. Só não chegaram a um consenso sobre o rumo a tomar.
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