Momento favorece reformas, diz economista

Para diretor da Câmara de Comércio, Sarkozy deve aproveitar ambiente econômico e adotar medidas impopulares

PARIS – A França pode ser tipicamente conservadora, mas não há nada de típico em Nicolas Sarkozy. Jacques Marseille, diretor do Instituto de História Econômica e Social, da Sorbonne, compara a desinibição de Sarkozy em suas convicções de direita com a dos ex-presidentes Luís-Napoleão Bonaparte (1848-1851) e Charles de Gaulle (1959-69).

Em 1844, Luís-Napoleão escreveu: ‘A classe operária não é nada, é preciso torná-la proprietária.’ Parece o eco de uma das frases mais pronunciadas por Sarkozy em sua campanha: ‘Quero tornar a França um país de proprietários.’ O que não deve soar muito promissor para os sindicatos. Não é surpreendente que os assalariados, sobretudo servidores públicos, tenham votado em Ségolène em sua maioria. Em contrapartida, eleitores sem carteira assinada, de renda mais baixa e mais de 50 anos preferiram Sarkozy.

Uma chance de evitar turbulências seria Sarkozy tergiversar quanto a suas promessas de campanha. Mas isso parece contradizer tudo o que se sabe de sua natureza obstinada.

‘Com demasiada freqüência, a ambigüidade tem prevalecido, de sorte que os franceses têm tido o sentimento de que lhes querem impor, depois das eleições, políticas que eles não escolheram’, escreveu o então candidato a presidente na primeira página de seu livro Ensemble (Juntos), publicado este ano, durante a campanha. ‘Por falta de clareza, de sinceridade, de coragem durante a eleição presidencial, por falta de se pronunciar por uma escolha clara, os franceses têm-se sentido freqüentemente traídos depois das eleições.’

‘A vitória de Sarkozy corresponde muito claramente a um mandato imperativo para efetuar as reformas necessárias a fim de modernizar a França e de reconciliá-la com o mundo do século 21’, diz o advogado, economista e historiador Nicolas Baverez, um dos teóricos do ‘declínio’ da França. ‘Os franceses não perdoariam se ele ignorasse esse mandato, adiasse as mudanças indispensáveis.’

Jean-Luc Biacabe, economista da Câmara do Comércio e da Indústria de Paris, também acha que a hora é agora. ‘A chance do novo presidente é que a conjuntura atual é muito favorável’, observa o economista, referindo-se à liquidez internacional. ‘Ele pode se permitir adotar medidas difíceis, já que o clima econômico vai naturalmente produzir resultados positivos nos frontes do desemprego e do déficit público. Mas não se deve demorar nem hesitar.’

Sarkozy pareceu ter-se dado conta disso, ao celebrar, depois do anúncio de sua vitória: ‘O povo francês escolheu a mudança.’ Ele deverá nomear primeiro-ministro o senador François Fillon, responsável por uma recente reforma na Previdência, que igualou os benefícios dos setores privado e público, e defensor da revisão de uma série de ‘direitos adquiridos’.

Além da resistência da chamada sociedade civil organizada, no entanto, Sarkozy pode ter seu ímpeto temperado, também, pelo Parlamento. Seu governo deve sair com maioria absoluta das eleições em dois turnos para a Assembléia Nacional, nos dias 10 e 17 de junho, prevê Pierre Giacometti, diretor-geral do Ipsos.

Entretanto, observa o cientista político Bruno Cautrès, essa maioria será formada maciçamente por deputados conservadores da União por um Movimento Popular, que apóiam a linha moderada do presidente Jacques Chirac. ‘François Fillon será obrigado a voltar à realidade’, diz o cientista político, referindo-se às tendências reformistas do provável primeiro-ministro. ‘Os franceses não abrem mão do sistema de proteção social.’

Tudo dependerá da capacidade de Sarkozy de modular sua ambição e seu mandato com as múltiplas resistências que enfrentará. Dizem que ele tem horror à improvisação. O tempo dirá se ele tinha um bom plano.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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