Sarkozy enfrentará temas espinhosos

Presidente eleito promete mudar regras da Previdência, ampliar jornada de trabalho e instituir cotas de imigração

PARIS – Nos últimos 12 anos, três grandes ondas de protestos sacudiram a França. A primeira, em 1995, obrigou o então primeiro-ministro Alain Juppé a retirar uma proposta de reforma da Previdência. Em outubro e novembro de 2005, milhares de carros foram queimados por jovens enfurecidos pela repressão policial e pela exclusão, nos redutos de imigrantes na periferia de Paris. Por último, entre fevereiro e abril do ano passado, 3 milhões de pessoas saíram às ruas para protestar contra o Contrato de Primeiro Emprego, que permitia a demissão sem indenização de jovens com menos de 26 anos, com o intuito de facilitar sua contratação.

Na quarta-feira, Nicolas Sarkozy assume a presidência da França disposto a pôr a mão, de uma vez só, em todos esses vespeiros. Promete acabar com os 124 regimes especiais da Previdência, que permitem a membros de poderosas corporações aposentarem-se com 37 anos e meio de contribuição, quando a maioria tem de cumprir 40 anos; e avisa que esse período terá de aumentar, para acompanhar o envelhecimento da população. Anuncia que vai instituir cotas de imigração e aumentar a repressão à criminalidade e a severidade das penas. Pretende flexibilizar os contratos de trabalho, reduzindo encargos sociais e facilitando demissões. Além de ampliar de 35 para 39 horas a jornada semanal de trabalho.

Na agenda de Sarkozy (veja em 12 Trabalhos de Sarkozy), há combustível bastante para incendiar a França. Ela fere os interesses de todas as temíveis corporações francesas: sindicatos, uniões estudantis, funcionários públicos. Antes mesmo de seu governo começar, a rejeição a Sarkozy já é brutal. De acordo com o instituto Ipsos, 42% dos que votaram na socialista Ségolène Royal no segundo turno, no domingo passado, o fizeram para evitar a eleição do candidato da direita.

E essas são as pessoas que saem às ruas. A partir do momento em que se anunciou a sua vitória, às 20 horas do domingo passado, milhares de pessoas saíram para protestar, deixando um balanço de mais de 700 carros destruídos e mais de 30 policiais feridos. Centenas de universitários marcharam contra sua proposta de autonomia para as universidades. Foram manifestações espontâneas – embora Ségolène tivesse alertado, na antevéspera da eleição, para a ‘violência’ que a eleição de Sarkozy desencadearia. Acabaram desautorizadas pelos líderes de centrais sindicais e uniões estudantis, como ‘anti-republicanas’. Afinal, Sarkozy acabava de ser eleito com 18,3 milhões de votos – ou 53%. Mas foram também uma amostra do que pode vir, quando o sentimento ‘anti-Sarkozy’, ou ‘tudo menos Sarkô’ (lemas da campanha socialista), ganhar contornos de disputas concretas.

Os franceses têm uma capacidade proverbial de defender direitos adquiridos. Maior destino turístico do mundo, Paris não tem táxis suficientes porque, toda vez que um prefeito anuncia que vai emitir novas licenças, os taxistas param a cidade. O padrão é seguido por todas as corporações.

Sarkozy foi eleito por uma maioria que ele próprio chamou de ‘silenciosa’. Suas propostas visam a favorecer pessoas que, por definição, não estão organizadas em poderosas corporações: os 2 milhões de desempregados, os 12 milhões de famílias de inquilinos, os 3 milhões de aposentados que recebem menos que o ‘mínimo velhice’ ( 621 por mês). Para esses, respectivamente, ele quer desonerar as contratações, deduzir do imposto os juros para a compra da casa própria, aumentar em 25% os benefícios previdenciários.

Criada no governo do primeiro-ministro socialista Lionel Jospin (1997-2002), a jornada de 35 horas semanais (sem redução de salário) não repartiu apenas empregos (ela criou 350 mil vagas, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos), mas também seus custos. De acordo com Jean-Luc Biacabe, diretor de Prospecção Econômica e Setorial da Câmara do Comércio e da Indústria de Paris, o governo francês gasta 17 bilhões por ano com isenções fiscais para compensar as empresas pelo aumento do custo da mão-de-obra decorrente da redução da jornada.

‘Simplesmente, o Estado utiliza seus recursos escassos para objetivos discutíveis’, disse Biacabe ao Estado. Para ele, a redução da jornada ‘é um erro filosófico mais que econômico: o de acreditar que a quantidade de trabalho é limitada e é preciso partilhá-la’. Na verdade, diz o economista, ‘a experiência mostra que, quanto mais se trabalha, há mais empregos’. Essa é a aposta de Sarkozy.

 

NEGOCIAÇÃO

De acordo com uma lei que entrou em vigor em janeiro, qualquer modificação nos direitos trabalhistas tem de ser negociada com os sindicatos de trabalhadores e patronais. Mas a incompatibilidade entre as visões do novo presidente e das centrais sindicais parece incontornável. ‘É evidente que haverá divergências com os sindicatos, por exemplo no que se refere ao exercício do direito de greve e ao contrato único de trabalho’, prevê o especialista em sindicalismo Guy Groux, diretor do Centro Nacional da Pesquisa Científica. ‘Os sindicatos se opõem frontalmente a algumas propostas de Sarkozy. Mas só com o tempo se saberá o que vai acontecer na prática.’

‘Ainda é cedo para dizer se haverá conflitos’, concorda Etienne Schweisguth, pesquisador do Centro de Pesquisas Políticas. ‘Tudo depende de como o governo se comportará.’ Os analistas descartam manobras muito bruscas. ‘Estamos na França’, recorda Bruno Cautrès, estudioso de eleições da Faculdade de Ciências Políticas (Sciences Po). ‘O país quer mudança, mas não tanta mudança. Os franceses sabem que têm um enorme déficit fiscal, que precisam de uma nova política econômica. Todos sabem que é preciso mudar, mas não de forma radical.’

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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