Candidata socialista encomenda ao líder radical estudo sobre soberania alimentar; Sarkozy mantém vantagem
PARIS – Se for eleita presidente da França no próximo domingo, a socialista Ségolène Royal terá a assessoria, em matéria de agricultura e globalização, de um velho conhecido dos brasileiros: o líder camponês José Bové. Ségolène fez a revelação, em entrevista publicada ontem pelo jornal Le Monde, para mostrar sua disposição de assimilar “boas idéias” de “diversas personalidades”.
“Confiei uma missão a José Bové sobre a mundialização e a soberania alimentar”, declarou Ségolène, em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto para o segundo turno, mas a apenas quatro pontos de seu adversário, o direitista Nicolas Sarkozy. A missão é um estudo que a socialista pediu ao líder radical, antes de seu comício em Lyon, na sexta-feira.
Bové ficou conhecido no Brasil em janeiro de 2001, durante o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, quando liderou a destruição de plantações experimentais de soja e de milho transgênicos da multinacional americana Monsanto, no município de Não-Me-Toque. O ato levou a sua expulsão do Brasil.
Na França, Bové foi preso e processado pela depredação de uma lanchonete McDonald’s em 1999 e pela destruição de uma plantação de milho transgênico de uma subsidiária da americana Dupont, em 2004. Há um ano, foi impedido de entrar nos Estados Unidos, por causa de seu histórico.
Candidato no primeiro turno da eleição presidencial, dia 22, Bové obteve 1,32% dos votos. Figura entre os quatro candidatos de esquerda que aderiram a Ségolène depois do primeiro turno, e que somaram 9% dos votos.
Preocupada em acenar para todos os lados do espectro ideológico, a candidata disse também que poderia nomear primeiro-ministro o socialista moderado Dominique Strauss-Kahn. Ministro da Economia entre 1997 e 1999, durante o governo do socialista Lionel Jospin, Strauss-Kahn é mais firmemente favorável ao livre mercado que Ségolène.
Na entrevista, ela acenou com a renacionalização do grupo Gaz de France (GDF): “Precisamos de um grande pólo público de energia.” Depois de disputar com ela a nomeação do partido para a candidatura à presidência, Strauss-Kahn engajou-se em sua campanha.
Ségolène também demonstrou flexibilidade para ampliar suas alianças, acenando com uma coalizão com o grupo do centrista François Bayrou, terceiro colocado no primeiro turno, com 18,57%. Ségolène teve 25,87% e Sarkozy, 31,18%. À pergunta sobre se Bayrou, o candidato derrotado que participou com Ségolène de um insólito debate no sábado, também poderia ser nomeado primeiro-ministro, a candidata socialista respondeu: “Por definição, não me proíbo nada.”
Dos 29 deputados da União pela Democracia Francesa (UDF), 21 aderiram a Sarkozy depois do primeiro turno, incluindo o líder da bancada, Hervé Morin. Nenhum declarou apoio a Ségolène. Historicamente, a UDF e o grupo da União por um Movimento Popular (UMP), de Sarkozy, aliam-se nas eleições distritais francesas. A Assembléia Nacional terá eleições em junho.
Na disputa pelos 6,8 milhões de votos de Bayrou – num universo de 37 milhões de votantes no primeiro turno –, Sarkozy fez uma promessa que, se cumprida, poderia mudar a configuração da política francesa: introduzir o sistema proporcional na Assembléia Nacional, que hoje é regido pelo voto distrital puro. Os candidatos que não obtêm mais da metade dos votos disputam um segundo turno. Esse sistema tem alijado os partidos menores da representação parlamentar.
Pesquisa do Instituto Sofres, realizada nos dias 26 e 27, e publicada ontem pelo jornal Le Figaro, confere 52% dos votos válidos a Sarkozy e os restantes 48% a Ségolène. Nessa sondagem, 41% dos eleitores de Bayrou no primeiro turno declaram voto a Ségolène no segundo, e 32% a Sarkozy. O dado reflete uma eloqüente mudança em favor do ex-ministro do Interior. Na pesquisa anterior, feita há apenas quatro dias, Ségolène atraía os votos de 46% dos eleitores de Bayrou e Sarkozy, 25%.
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