Atrás nas pesquisas, socialista parte para ataque com duras críticas ao atual governo, do partido de seu rival
PARIS – No primeiro debate presidencial em 12 anos na França, a candidata socialista Ségolène Royal avançou sobre o adversário, o direitista Nicolas Sarkozy, com uma ferocidade inesperada. Ao final do debate de 2h40, que foi esquentando até atingir o ponto de ebulição, Ségolène acusou Sarkozy de “imoralidade” por causa de sua posição em relação ao ensino para crianças com necessidades especiais.
“A senhora tem a visão sectária da esquerda, de que todo mundo que tem opinião diferente da sua é imoral”, reagiu Sarkozy, depois de alguns instantes de perplexidade. “Quem usa palavras que ferem divide o seu povo.” Foi o desfecho de um crescendo, no qual Sarkozy e Ségolène percorreram dezenas de temas, do desemprego à energia nuclear, e discordaram sobre praticamente tudo, numa discussão marcada pela divisão ideológica clássica entre direita e esquerda.
O momento de maior tensão do debate ocorreu depois que Sarkozy, ex-ministro da Economia e do Interior do atual governo, observou que na França só 40% das crianças com necessidades especiais estudam em escolas normais. Ele planeja elevar esse índice a 100%, como ocorre no resto da Europa. “Estou escandalizada com o que estou ouvindo”, interrompeu Ségolène – o que as regras do debate permitiam. “Criei 7 mil cargos de auxiliares de integração (para deficientes em escolas normais), e seu governo os suprimiu”, acusou a candidata, que foi ministra de Ensino Escolar (1997-2000). “A senhora sai de si facilmente”, advertiu Sarkozy. “A responsabilidade de um presidente é muito pesada.”
Havia expectativa sobre como Ségolène, 7 pontos atrás de Sarkozy nas pesquisas, se portaria diante do adversário, conhecido pela língua afiada, ao passo que a socialista costuma ser mais suave e teórica. Após alguns instantes iniciais de nervosismo, em que falava consultando anotações, Ségolène ganhou segurança. Aos 15 minutos, começou a interromper Sarkozy, e não parou mais, deixando-o na defensiva e evitando que ele concluísse seus raciocínios. “Madame Royal, deixe-me responder”, pedia Sarkozy.
O candidato tentava conter a enxurrada de críticas de Ségolène ao governo do atual presidente Jacques Chirac e primeiro-ministro Dominique de Villepin, ambos de seu partido, exclamando: “É falso.” Já a socialista procurou dissipar a imagem de que suas posições são ideológicas e vagas, enquanto o direitista é concreto e pragmático. “Sou a presidente do que funciona”, insistiu. Mas não conseguiu evitar responder a perguntas de Sarkozy com a frase: “Isso será negociado entre os setores.” Ao fim, ficou a confirmação de que a França está diante de duas escolhas profundamente diferentes.
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