Candidata socialista usa festa para responder às críticas do conservador Sarkozy
PARIS – Num dos eventos de maior simbolismo de sua campanha, a candidata socialista Ségolène Royal reuniu ontem, com a ajuda de vários cantores famosos, cerca de 40 mil pessoas no Estádio Sébastien Chalérty, no sul de Paris. Chamado de “concerto da fraternidade”, o showmício serviu de desagravo para a geração de 68, duramente criticada pelo candidato de direita Nicolas Sarkozy.
Nesse mesmo estádio, no dia 27 de maio de 1968, estudantes da esquerda não-comunista reuniram também um número aproximado de 40 mil pessoas. “É o nosso Woodstock”, brincou o cantor Cali, que participou ao lado de Yannick Noah e outros músicos, incluindo roqueiros e rappers. Durante comício no domingo no Palais Omnisports de Bercy, sudeste de Paris, que também reuniu cerca de 40 mil pessoas, Sarkozy se declarou “candidato de uma maioria silenciosa que se ergue contra a dominação da ideologia de 1968”.
“No próximo domingo, vocês têm a escolha entre dois modelos de sociedade”, respondeu ontem Ségolène. “Esta grande reunião nesta noite mostra o modelo que proponho a vocês para a França: um país de compartilhamento, de emoção, de beleza, de todas as gerações se levantando juntas.”
O showmício de ontem serviu também para Ségolène mostrar que não é só Sarkozy que tem apoio de artistas. O comício de domingo do adversário foi animado por celebridades como o cantor Johnny Hallyday e o ator Jean Reno. Milhares de pessoas se aglomeraram ontem em torno do estádio lotado, aproveitando o sol de primavera e os acordes que vinham de dentro.
“Apóio Ségolène porque ela representa melhor os valores republicanos franceses: a liberdade, a igualdade e a fraternidade”, disse o engenheiro Philippe Comois, de 55 anos. “É preciso evitar que assuma a presidência um homem perigoso, desequilibrado, turbulento e violento”, enumerou sua mulher, Anne, também engenheira, de 54. O casal trazia nas camisas um colante com os dizeres: “Stop Sarko”.
“Espero que, com Ségolène, todas as pessoas possam desfrutar da democracia e ter um trabalho”, disse Gilles Fosso, de 32 anos, imigrante de Camarões, e funcionário da Électricité de France (EDF). “Ela é como Lula”, comparou. “Apóio Ségolène por razões sociais e humanas”, explicou Sylvie, técnica em informática. “Ela ouve as pessoas.” Seu marido Antoine Elronce, que também trabalha com informática, considera uma “heresia” a observação de Sarkozy sobre a geração de 68.Para Sylvie, ele soou como o líder ultradireitista Jean Marie Le Pen.
A rejeição a Sarkozy é um poderoso fator de apoio a Ségolène. “Sarkozy não vai governar por todo o povo, é o homem do dinheiro, dos interesses financeiros”, disse a corretora imobiliária Christine Picarda, de 52 anos. “É preciso valorizar toda a França. Ségolène é muito mais social. Sarkozy não está preocupado com os problemas das pessoas.”
Sarkozy e Ségolène se encontram hoje à noite, no primeiro debate presidencial na França desde 1995 – em 2002, o presidente Jacques Chirac se recusou a participar de um debate com Le Pen. Ségolène, que exibe um discurso freqüentemente vago e personalista, tem assegurado que está preparada para o confronto com Sarkozy, um homem de língua ferina e memória afiada para dados.
Além de politicamente incorreto, Sarkozy é direto e concreto em suas propostas: “Votei a favor do euro. Mas não para ser sobrevalorizado e destruir os empregos da Europa”, diz ele em seu programa eleitoral gratuito. “Vou propor a desvalorização do euro.” Já Ségolène aparece dizendo frases do tipo: “O mundo mudou, a França mudou, a política tem que mudar.” Ou: “Vamos dar à França a energia de que ela precisa.”
Será talvez a última chance da candidata socialista de tentar alcançar o ex-ministro do Interior, que mantém a dianteira nas pesquisas desde janeiro, e oscila, segundo as diferentes sondagens, entre 52% e 53%, ante 47% a 48% de sua adversária. Espera-se para esse debate, que começa às 21 horas em Paris (16 horas em Brasília), uma audiência semelhante à da final da Copa do Mundo do ano passado: 20 milhões de espectadores.
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