Muitos moradores de Clichy-sous-Bois, onde teve início a onda de violência de 2005, votarão em Ségolène
CLICHY-SOUS-BOIS, França – No muro de concreto cinza, a pichação vermelha diz: ‘A gente tem razão de se revoltar.’ Assinado: PCM Red Block (uma facção do Partido Comunista Maoísta). Sobre o muro, o alambrado que Ziad Benna, de 17 anos, e Bouna Traoré, de 15, escalaram enquanto fugiam da polícia, em outubro de 2005, para morrerem eletrocutados na subestação de energia elétrica que ele circunda. A morte dos dois filhos de imigrantes fez eclodir os mais violentos distúrbios dos últimos anos na periferia de Paris.
Na manhã quente de primavera, dois rapazes caminham depressa pela rua que termina na subestação. ‘Não votei nem vou votar’, diz Toni, neto de imigrantes eslavos, a face rosada realçando os olhos azuis. ‘Não adianta nada. Ninguém se importa com a gente. Aqui, é cada um para si.’ Aos 18 anos, Toni não estuda nem trabalha. Seu nome de família (sobrenome)? ‘Isso não existe aqui’, responde, afastando-se rapidamente.
‘Não votei’, responde Mourad, de 37 anos, filho de imigrantes argelinos, a barba longa e a túnica típica do Norte da África. ‘Você é da polícia?’, pergunta, sem tirar os olhos da tela do computador, numa lan house. ‘Não acredito em ninguém, nem da direita nem da esquerda. Isso não traz nada para mim’, diz Mourad, que trabalha num hospital.
A descrença de Toni e Mourad está longe de ser unânime em Clichy-sous-Bois, comuna de imigrantes 15 quilômetros a leste de Paris, onde o desemprego chega a 40%, e metade da população de 30 mil habitantes (a mesma de Neuilly-sur-Seine) tem menos de 25 anos. A comuna onde Nicolas Sarkozy chamou de ‘racaille’ (escória) os rapazes que queimavam os carros nas ruas em 2005 é um reduto de Ségolène Royal: aqui, ela obteve 41,63% dos votos, quando sua média nacional foi de 25,87%.
‘O pessoal de Sarkozy não gosta de nós’, garante o pedreiro ‘Moumou’, um ‘franco-argelino’ de 35 anos, enquanto trabalha na reforma de uma loja. ‘Votamos em Royal porque gostamos das pessoas que gostam da gente.’
‘Sarkozy, não, obrigada’, reage Lamia, de 30 anos. ‘Ele não percebe que o problema dos estrangeiros não é porque são estrangeiros, mas porque não há muito trabalho’, diz Lamia, funcionária de uma escola, e de família tunisiana.
‘Ségolène pode desenvolver esta área, melhorar um pouco a vida das pessoas desvalorizadas justamente pelas atitudes de Sarkozy’, espera Michel Tales, estudante de sociologia de 23 anos, que na manhã de segunda-feira vendia flores numa praça de Clichy-sous-Bois. ‘Voto nela porque ela está preocupada com temas sociais, mas não tenho esperança de que possa mudar grande coisa’, completa Wildoph, irmão de Michel, cujo pai é um operário nascido na Martinica.
‘Votei por Ségolène porque acho que teremos um pouco mais de trabalho’, conta Suci Hamady, um pedreiro de 30 anos, que há 8 imigrou da Somália. ‘Aqui, a educação e a saúde são boas’, elogia Hamady. ‘Mas não existe segurança. A gente chama a polícia, ela não vem.’ Duas mulheres egípcias se aproximam para reclamar da alta criminalidade, das arruaças e ‘rachas’ dos jovens à noite. A ‘racaille’ que Sarkozy prometeu tirar das ruas.
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