Berlusconi de novo: a ciranda eleitoral que atravanca a Itália

A Itália se prepara a ir às urnas para eleger novos e velhos rostos da política com uma coisa em comum: soluções fáceis para problemas pra lá de complexos

BERLUSCONI: aos 81 anos, o ex-primeiro ministro quer voltar a dar as cartas num país que continua crescendo menos que os vizinhos europeus | Remo Casilli/ Reuters

Silvio Berlusconi, o eterno líder populista italiano, prometeu no domingo deportar 600.000 imigrantes ilegais do país, se a sua coalizão de três partidos de centro e de direita vencer as eleições do dia 4 de março, como preveem as pesquisas de intenção de voto.

A declaração foi feita depois que um italiano de 28 anos feriu a tiros seis imigrantes africanos (cinco homens e uma mulher) no sábado em Macerata, no centro da Itália. O criminoso, Luca Traini, de 28 anos, que acabou preso, foi candidato derrotado a vereador no ano passado em Corridonia, na mesma região, pela separatista Liga do Norte, um dos três partidos da coalizão. Em sua plataforma constava o “controle dos extra-comunitários” (ou seja, não-europeus).

“A imigração se tornou uma questão urgente, porque depois de anos de governo de centro-esquerda há 600.000 imigrantes que não têm o direito de ficar”, disse Berlusconi em entrevista ao canal de televisão Tg5. “Consideramos prioridade absoluta recuperar o controle sobre a situação.”

Berlusconi, que foi quatro vezes primeiro-ministro, não pode lançar-se ao cargo mais uma vez, por ter sido condenado por fraude tributária na gestão de sua empresa de comunicação Mediaset. A sentença de quatro anos de prisão (reduzida a um ano de prisão domiciliar) transitou em julgado na Suprema Corte em 2013.

Aos 81 anos, no entanto, ele tem esperança de dar as cartas mais uma vez em seu país, com um futuro governo formado por seu partido, Forza Italia, e os ultra-direitistas Liga do Norte e Irmãos da Itália.

“Quando estivermos no governo, vamos investir muitos recursos na segurança”, continuou Berlusconi, explorando um dos temas favoritos da direita europeia. “Aumentaremos a presença da polícia e reintroduziremos o programa Ruas Seguras (que envolve o Exército). Nossos soldados patrulharão as ruas junto com os policiais.”

Ele acusou a União Europeia de não dividir com a Itália, um dos destinos mais buscados pelos africanos, por sua posição no Mar Mediterrâneo, a sobrecarga da imigração. “Hoje, a Itália não conta, para Bruxelas e para o mundo. Faremos contar de novo.”

Depois do ataque, Traini fez uma saudação fascista com uma bandeira da Itália sobre os ombros e gritou “Viva a Itália” e “Itália para os italianos”, segundo testemunhas. Sem demonstrar arrependimento, ele disse à polícia que seu ataque foi uma vingança pelo assassinato de Pamela Mastropietro, de 18 anos, esquartejada na semana passada perto de Macerata. O nigeriano Innocent Oseghale, que também está preso, é acusado do assassinato. Ele teve o pedido de asilo negado no ano passado, mas permaneceu na Itália.

O líder da Liga do Norte e provável candidato a primeiro-ministro, Matteo Salvini, procurou se desvincular do ataque: “Encontro milhares de pessoas por dia. Pode haver entre eles um cretino ou um violento. Nossos candidatos têm a ficha criminal imaculada, uma vantagem que nem todos os partidos têm. Dito isso, não sou psiquiatra”.

Entretanto, Salvini atribuiu os conflitos sociais à “invasão dos imigrantes”, e arrematou: “Mal posso esperar para entrar no governo e restaurar a segurança, a justiça social e a serenidade na Itália”.

O populismo e a falta de avanço 

A imigração, combinada com a rejeição ao euro e a impaciência com o baixo crescimento econômico, tem sido um dos combustíveis do populismo. Isso, apesar do êxito do ministro do Interior, Marco Minnit, em conter a entrada de imigrantes. Graças a acordos que ele costurou com o governo líbio em Trípoli — um dos dois na Líbia, mas o único reconhecido pela comunidade internacional —, o país tem ajudado a barrar a passagem de africanos para o Mediterrâneo. Com isso, a chegada de imigrantes à Itália caiu 70% no ano passado, em comparação com os anos de pico de 2015 e 2016.

De acordo com a média das pesquisas, a coalizão de centro-direita tem 37% das intenções de voto; a de centro-esquerda, no governo desde 2013, 28%, mesma porcentagem do Movimento 5 Estrelas (M5S), do comediante Beppe Grillo. A frente de esquerda Livres e Iguais tem 6%; o restante, 1%.

Se as pesquisas se confirmarem e o M5S for o partido individual com a maior bancada eleita, ele poderá ser o primeiro convidado pelo presidente Sergio Mattarella a formar governo. Por isso, há bastante especulação sobre com quem ele poderia se aliar.

Procurando se posicionar para assumir o governo, o M5S, que surgiu em 2009 como um movimento contrário à política tradicional e se recusava a formar alianças, elegeu agora um candidato a primeiro-ministro mais moderado e palatável para o mercado:

Luigi Di Maio, um ex-líder estudantil de apenas 31 anos. E excluiu de sua plataforma de governo a proposta de um plebiscito sobre a saída da Itália da zona do euro. Aparentemente incomodado, o comediante Beppe Grillo desvinculou seu blog do site do partido.

De acordo com uma reportagem da agência italiana de notícias Ansa, o M5S, embora “mais propenso a olhar para a esquerda do que para os separatistas de Matteo Salvini”, pode fazer um “pacto de breve duração” com a Liga do Norte, “um governo com um propósito definido para realizar poucos pontos importantes para a Itália”.

As pesquisas convenceram o M5S de que é difícil contrapor-se ao domínio da Liga no norte do país. Já no sul “será um boom, sobretudo na Sardenha e na Sicília”, prevê Di Maio. “Vejo isso até por quanto os empresários estão se aproximando (de nós).”

Um governo formado pelo M5S e a Liga do Norte seria o pior cenário possível para os mercados e a UE, considerando que ambos são hostis ao euro. A Itália é a terceira maior economia do bloco europeu.

É bem verdade que, como observou Wolfgang Münchau, especialista em União Europeia, “a diferença entre um governo 5 Estrelas/Liga de uma gestão mais tradicional de centro-direita ou centro-esquerda será de grau apenas”.

Nenhum dos grandes partidos italianos oferece um programa de reformas, analisou Münchau em artigo no jornal inglês Financial Times. “Não há muita discussão acerca de produtividade e da baixa taxa de participação da força de trabalho. Nenhum dos grandes partidos propõe um determinado conjunto de políticas para corrigir a debilidade do setor bancário, que tem sido uma âncora do crescimento econômico nos últimos dez anos.”

Münchau reconhece que a economia voltou a crescer. Segundo projeções da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o índice foi de 1,56% em 2017 e deve atingir 1,49% este ano. Mas esse desempenho continua bem abaixo dos 2,5% na média dos 18 países da zona do euro. “Com seus altos níveis de dívida e falta de uma discussão séria sobre reformas, não há razão para ser complacente com a Itália”, conclui o articulista.

Para muitos eleitores italianos, no entanto, os atalhos continuam tendo um apelo mais forte que o longo caminho rumo ao crescimento sustentável.

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