‘Este é o primeiro dia da democracia italiana’

O cineasta e deputado eleito Luca Barbareschi celebra a chegada do bipartidarismo e diz que Berlusconi é ‘visionário’

ROMA – Ele dirigiu, em 2002, Il Transformista, uma sátira sobre um político por acaso, identificado com Silvio Berlusconi, na época primeiro-ministro. Nunca estivera envolvido em política, embora tenha tido vários cargos na área cultural: dirigiu o Teatro Nacional de Roma, o Eliseo e o Piccolo de Milão. No ano passado, o cineasta, produtor e ator Luca Barbareschi participou da campanha de abaixo-assinado para a reforma política, que reuniu 880 mil assinaturas. Contagiado, elegeu-se deputado pelo partido de Berlusconi, O Povo da Liberdade, e é cotado para o Ministério de Bens Culturais.

Nesta entrevista ao Estado, Barbareschi, de 52 anos, desmente os estereótipos sobre Berlusconi e critica duramente a centro-esquerda italiana. Dono da Casanova Entertainment, que produz 12 filmes por ano, teatro e conteúdo para celular e internet, ele descreve Berlusconi como “visionário”. Protagonista do filme O Internacional, sobre um banqueiro corrupto, que estréia no fim do ano nos EUA, Barbareschi acusa Walter Veltroni, o candidato derrotado da centro-esquerda, de “comprar” os artistas, e diz que foi ele quem não quis fazer a reforma política.

Berlusconi não ficou bravo com ‘Il Transformista’?

O filme foi contra o que estava acontecendo no governo dele. Claro que ele não ficou feliz, mas acho que entendeu. Agora muitas pessoas entendem que é preciso pensar sobre essas coisas. Senão, não teríamos de ter voltado às urnas (dois anos depois das eleições). Agora, temos enorme responsabilidade.

Berlusconi é visto com muita suspeição pelo mundo intelectual e artístico, não? 

Há muito preconceito em relação a ele. É um visionário, em muitos aspectos. Muitas pessoas tentaram montar um grande grupo de televisão aqui na Itália. Ninguém conseguiu, a não ser ele. Ele criou um partido político do nada.

E as críticas em relação ao monopólio de Berlusconi sobre a TV?

A centro-esquerda ficou cinco anos no poder e teve a chance de contê-lo, e nunca o fez. Eles gostaram.

Por quê?

Por muitas razões. Berlusconi criou um enorme grupo de comunicações que não existia no mundo. Os espanhóis e os franceses tentaram, sem sucesso.

Mas o sr. não acha que ele representa o lado malicioso e individualista do italiano, que não se importa com as instituições nem com o bem comum? 

Não. Ele sabe como falar com os italianos, sabe como conquistá-los. Muitas pessoas o atacam. Mas muitos que estão no mundo dos negócios são grandes bandidos. Porque estão na esquerda, são bandidos politicamente corretos.

O sr. acha Berlusconi honesto? 

Acho que Berlusconi tem visão. Não posso dar garantia sobre ninguém. Mas acho que temos de agradecer a Berlusconi pelo que fez, honestamente, por ter livrado o país da extrema esquerda.Temos que agradecer a Veltroni, também.

Os eleitores italianos fizeram a reforma eleitoral que o Parlamento não foi capaz de fazer?

Quem não quis fazê-la foi Veltroni. Fui pessoalmente pedir-lhe apoio para nossa campanha de abaixo-assinado e Veltroni não nos recebeu. Neste sentido, eles são mais conformistas e menos abertos do que a direita. Eles têm seu aparato comunista, são conservadores. Fizeram de tudo para se eleger. Angariaram apoio da esquerda no mundo inteiro, inclusive de Lula (o PT e o PPS se engajaram na campanha do partido de Veltroni no Brasil, mas Lula não declarou apoio publicamente). Talvez agora as coisas sejam diferentes.

Agora que ele rompeu com os comunistas e verdes?

Sim, mas teve de perder a eleição.

Foi o preço?

Sim, 10% (dos votos). E muitas pessoas consideraram que seu programa é mais ou menos o mesmo de Berlusconi. Para que ficar com a cópia, se podem ter o original? 

E esses políticos em torno dele, como Gianfranco Fini, considerado xenófobo e “pós-fascista”?

Bobagem. Fini criou uma lei muito boa que expulsa os (imigrantes) fora-da-lei. Os que respeitam a lei italiana podem ficar. Há milhares de estrangeiros trabalhando aqui e todo mundo gosta deles. O que não queremos são criminosos. Na Itália, ninguém respeita as leis, nem mesmo os italianos.

Por que a Liga do Norte cresceu tanto nestas eleições?

Eles são muito populares. As pessoas do norte trabalham duro e estão cansadas da falta de segurança e de respeito. Elas pagam impostos demais. O dinheiro vai para o sul, que é um antro de criminosos. Um dia eles acordaram e disseram: vamos nos separar.

Veltroni recebeu o apoio de muitos artistas, que assinaram manifestos em favor dele. 

É claro. Ele comprou todos com verbas públicas.

O que aconteceu com o cinema italiano, que era tão importante?

Está morrendo, graças a esse arranjo. A indústria do cinema funciona quando faz produtos que vendem no mundo todo. Esses filmes patrocinados pelo governo só vendem na Itália.

A que o sr. atribui o declínio da Itália?

Atravessamos um lento processo de transformação numa democracia de verdade. Você está aqui no primeiro dia de democracia na Itália. Não porque a direita tenha ganhado as eleições, mas graças até mesmo a Veltroni. Finalmente, há dois partidos políticos, como na Alemanha, como em qualquer lugar do mundo.

Já houve no passado a polarização entre a Democracia Cristã e o Partido Comunista, não?

Isso foi antes da queda do Muro de Berlim. Era uma espécie de balé. Todos fingiam ser inimigos, mas eram patrocinados pela CIA ou pela KGB. Todos estavam felizes, ganhando dinheiro.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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