Cédulas enviadas da América Latina seriam alteradas para favorecer candidato apoiado pelo crime organizado
ROMA – O ministro do Interior da Itália, Giuliano Amato, disse ontem que estão sendo investigados indícios de que um grupo mafioso da Calábria, no sul da Itália, teria fraudado votos de italianos no exterior. Amato não deu mais detalhes, alegando que as investigações correm em sigilo, mas a agência de notícias Ansa informou que se trata de 50 mil cédulas eleitorais vindas da América Latina, alteradas em favor de um candidato siciliano, cujo nome não foi revelado.
“Espero que os cônsules não percam as cédulas de vista, que as guardem debaixo de suas camas até serem enviadas para a Itália em vôos especiais”, exortou Amato, citado pela agência Reuters. “Acho que as medidas adotadas pelo Ministério das Relações Exteriores devem evitar qualquer problema.” Segundo o jornal Tempi, uma cédula eleitoral é comprada por US$ 10 na América do Sul, US$ 30 na América do Norte e quase US$ 100 na Europa.
Uma matéria carregada de ironia, intitulada “Greves, suspeitos e acusações”, publicada ontem no Corriere della Sera, começa contando que, em Porto Alegre, por causa da greve dos Correios, o consulado italiano recebeu pouco mais da metade das 20 mil cédulas eleitorais que esperava, com base na votação de 2006. Na Venezuela, diz o texto, como não confiam no correio, usaram uma empresa privada de entregas. E na Argentina, como não confiam nem no correio nem no courrier, entregaram o voto pessoalmente.
A matéria cita problemas mais graves. Na Filadélfia (EUA), um candidato a deputado teria oferecido um jantar num restaurante elegante em troca de votos. Em Berlim, outro candidato teria transformado o escritório do Patronato (que oferece assistência aos cidadãos no exterior) em comitê de campanha.
“Só a Itália tem colégios eleitorais no exterior”, critica Lucio Caracciolo, editor da revista Limes, especializada em geopolítica. Segundo ele, é normal cidadãos no exterior poderem votar, mas não terem seus próprios candidatos fora do país. Doze dos 630 deputados e seis dos 315 senadores são eleitos no exterior.
Há 2,8 milhões de italianos no exterior habilitados a votar na Câmara e 2,5 milhões no Senado (a idade mínima é de 18 e de 25 anos, respectivamente), espalhados por 6.990 seções eleitorais. É muito mais que suficiente para decidir uma eleição na Itália. No último pleito, em 2006, a centro-esquerda venceu na Câmara por uma diferença de 24.755 votos e a centro-direita obteve 428.577 votos a mais no Senado. Só no Brasil, há cerca de 200 mil eleitores. Na Itália, são 47 milhões para a Câmara e 43 milhões para o Senado.
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