David Chancellor conta como consegue boas fotos da família real e os limites da profissão
LONDRES – Eram meados da década de 80. O fotógrafo David Chancellor cobria esportes, e foi escalado para os jogos de pólo. Entre os jogadores, estava o príncipe Charles. Os jornais começaram a se intressar pelo modo como Chancellor fotografava o príncipe, usando a teleobjetiva para enquadrá-lo em detalhes, em meio à confusão do jogo. Chancellor acabou convidado a trabalhar na agência Alpha, especializando-se na família real.
Hoje, pertence ao grupo seletíssimo de dez fotógrafos oficiais credenciados para acompanhar a família real em seu dia-a-dia na Grã-Bretanha e no exterior. Na semana em que Charles completou 25 anos de investidura como príncipe de Gales, Chancellor concedeu entrevista ao Estado. Nela, o fotógrafo descreve as aventuras para se conseguir uma boa foto, o jogo pesado dos tablóides britânicos (com circulações diárias que chegam a 3,5 milhões de exemplares) e sobretudo a trajetória do casal no centro das atenções — Charles e Diana.
Estado – Como foi seu primeiro contato com um membro da família real?
David Chancellor – Foi há cerca de sete anos, numa viagem da duquesa de Kent (cujo marido é primo da rainha) para o Egito.
Estado – O que vocês faziam?
Chancellor – Ela ficou lá por uns 10 a 12 dias. Os primeiros seis dias foram no Cairo. Ao final de seis dias, ela terminou a parte oficial da visita, e disse que passaria mais uns dias de férias, e que se eu estivesse interessado em acompanhá-la seria muito bem-vindo. Ela me pediu que eu lhe mostrasse as fotos no final da viagem, e concordei. Daí ela me chamou de lado e disse: “Tudo bem, acho bom você ir, mas se você me acompanhar e fizer qualquer coisa de que eu não goste, tomarei as providências para que nunca mais trabalhe.
Estado – E você?
Chancellor – Eu me prendi a isso, e acho que até hoje, porque se você não cultivar esse relacionamento de confiança, não dá para ir longe. Não dá para você se sentar na sala de visitas um dia, e no dia seguinte aparecer nos fundos com uma lente de longa distância. Mas há alguns momentos em que você tem de cruzar a linha. Principalmente quando se está cobrindo algo como férias, e em especial de alguém como a princesa de Gales, é dificil julgar o que fazer, quando você faz o oficial, o protocolo, e o outro tipo de foto.
Estado – Você poderia dar exemplos de quando cruzou a linha?
Chancellor – Há cerca de dois anos, a princesa de Gales foi para a Disneyworld, na Flórida, e não creio que quisesse ser fotografada lá. Ela estava com os filhos, os príncipes William e Henry. A segurança da Disney decidiu que não queria que ninguém fotografasse. Chegamos lá bem tarde, um colega e eu, e tentamos, conseguir um quarto que desse par a piscina, porque a princesa Diana adquiriu o hábito de nadar todas as manhãs – algo que só descobrimos na viagem para o Brasil, quando ela nadou na piscina do Hotel Copacabana Palace. Então nos deram um quarto considerado seguro pelos guardas da Disney. De lá não dava para ver nada. Mas nós seríamos bem-vindos, tratados como hóspedes comuns. Fomos para esse apartamento, muito chateados. Passamos um dia lá, sendo pressionados o tempo todo pelos seguranças, nos dizendo que a princesa queria privacidade, no que aliás eu acredito, e não conseguimos fotografar nada. Na manhã seguinte acordamos pensando em ir embora. Mas quando abrimos a janela, lá estava a princesa Diana a cerca de cem metros numa sacada, de roupão, e com uma xícara de café na mão. Corremos para pegar as câmaras,e fizemos as fotos da princesa lá de pé.
Estado – Como ela estava?
Chancellor – Aquela foi uma fase em que acho que o casamento estava em baixa, era preciso tomar uma decisão, eles iam se separar, e ela estava realmente noutro mundo, não tinha a menor idéia de que estávamos lá. As fotos ficaram boas, porque a mostravam completamente relaxada, com o olhar distante. Essas fotos correram o mundo. Isso é cruzar a linha. Nos disseram que tínhamos ultrapassado os limites depois que fizemos as fotos, mas é o tipo de decisão que acho que nos cabe tomar. Com certeza há fotógrafos que espontaneamente arrancariam esse filme da máquina, mas não free-lancers, numa viagem cara.
Estado- Você já fotografou Diana com sua amiga Brasileira, Lúcia, mulher do embaixador Paulo Flecha de Lima?
Chancellor – Sim, mais de uma vez. A última foi na formatura da filha do casal, Beatriz. Lúcia veio de Washington, e a princesa foi à formatura. Ela não queria ser fotografada. Mas ela não atacou os fotógrafos, como faz quando está sozinha e não quer ser fotografada. Quando está com outras pessoas, como naquele caso, ela procura com gestos deixar claro que não quer ser fotografada.
Estado – Então depois desse longo relacionamento com os fotógrafos, a princesa tem aprendido como evitá-los?
Chancellor – Quando ela não quer ser fotografada, ela se mostra muito tensa, olha para cima, para baixo, se aproxima demais do fotógrafo a ponto de ele não encontrar o foco… Ela sabe perfeitamente como evitar ser fotografada.
Estado – Mas essa face agressiva não seria interessante também para os fotógrafos?
Chancellor – Sim, alguns fazem fotos muito boas desse tipo. Eu não posso, porque faço parte da Royal Rota (a escala de fotógrafos do Palácio). O interessante é que agora aqui na Grã-Bretanha nós não podemos mais usar essas fotos, por causa do acordo entre os tablóides e a princesa. Os jornais se comprometeram a respeitar a privacidade dela. Ao mesmo tempo, quando ela quer, faz exatamente o que é necessário para os fotógrafos conseguirem boas fotos. Na noite de quarta-feira, num de seus raros compromissos oficiais dos últimos tempos (numa festa para arrecadar fundos para a reforma da Serpentine Gallery, no Hyde Park), seria difícil ela ter colaborado mais ainda para ser fotografada. Ela estava deslumbrante, seu carro foi estacionado mais longe da entrada do que de costume, de modo que pudesse caminhar até onde os fotógrafos estavam. Foram as suas fotos mais bonitas desde que ela reduziu ao mínimo os compromissos oficiais, no final do ano passado. O que ela tem deixado claro é que não quer ser fotografada em sua vida privada, e quer ter sua privacidade respeitada. E quando estiver num compromisso oficial, tudo bem, fará o possível para colaborar.
Estado – A festa coincidiu com a exibição do documentário de príncipe Charles na televisão (em que ele confessa ter sido infiel quando percebeu que o casamento estava acabado). Quer dizer que ela não assistiu?
Chancellor – Acho que ela não precisaria estar em casa às 20 horas para assistir ao documentário. Acredito que ela tenha assistido a esse documentário muito antes do que qualquer outra pessoa. É uma estranha coincidência que o príncipe de Gales tenha dominado o noticiário no dia. Uma coisa imprevisível foi ele ter batido com o avião (por ele pilotado ao aterrissar numa ilha na costa escocesa). Os tablóides saíram naquele dia com a primeira página sobre o acidente do príncipe, a segunda com a confissão de infidelidade, e a página 3 mostrando como a princesa está bonita. O público ainda é fascinado com a família real.
Estado – Você sente que Charles e Diana disputam a primeira página?
Chancellor – Não sei se eles disputam, mas sinto que há algum tipo de rivalidade entre os dois lados.
Estado – Isso só a partir da separação?
Chancellor – Acho que provavelmente acontecia antes, mas ficou mais óbvio porque agora existe uma separação, e todo mundo nota isso. Acho que antes da separação todo mundo estava preocupado em cobrir Diana. E isso frustrava o príncipe, porque ele tentava fazer as coisas, mas não, tinha cobertura da mídia. Agora as pessoas estão olhando mais para o príncipe. Não estou certo de que ele goste da situação, mas pelo menos agora ele está tendo o tratamento antes dado só para a princesa.
Estado – Por que fotos com a do mergulho no Copacabana Palace violam as ordens do Palácio de Buckingham?
Chancellor – Eles argumentar que esse tipo de foto desvia a atenção da parte oficial da visita, e ameaçam descredenciar quem o fizer. Ele se preocupam muito com o fatos, que uma foto da princesa de maiô possa ofuscar os eventos da viagem, como encontros entre a princesa e meninos de rua do Rio ou de São Paulo. O que aconteceu foi justamente isso. Os tablóides deram a princesa nadando na primeira página nada sobre os meninos de rua.
Estado – O documentário sobre o príncipe mostra um assessor de imprensa de Charles fazendo um acordo com os fotógrafos. Como é esse tipo de acordo?
Chancellor – E, é muito comum haver acordos. Naquele caso por exemplo o príncipe tinha apenas dois dias e meio para passar com os filhos (príncipes William e Henry) numa estação de esqui da Suíça. Ele queria privacidade, mas os fotógrafos queriam fotos. Então o assessor reuniu os fotógrafos num bar e disse: “Tudo bem, vamos lhes dar alguns minutos para fotografar o príncipe com os filhos. Depois disso, todos vocês vão embora.” Funcionou.
Estado – Os fotógrafos não costumam violar esse tipo de acordo?
Chancellor – Geralmente não são os fotógrafos britânicos que violam, mas a imprensa estrangeira. Naquele caso da Suíça, por exemplo, tem que compensar financeiramente um esquema para os fotógrafos arriscarem fotografar sem autorização. É claro que os estrangeiros não estão sob as mesmas restrições que nós. Eles podem trabalhar com dois pesos e duas medidas, cobrindo a parte oficial e o resto.
Estado – Você pode dar uma idéia do preço de uma foto?
Chancellor – Varia demais. A primeira vez que a princesa de Gales foi fotografada numa piscina numa viagem ao exterior foi em Hongcong. Isso foi antes da ida ao Rio. Um fotógrafo chinês a fotografou numa piscina da Marinha, ao lado do iate real Britannia. Acho que ele fotografou de um viaduto. Não eram fotos particularmente boas, mas elas foram para leilão entre todos os tablóides. Elas alcançaram US$ 34 mil.
Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.