Andrew Duncan acha que o fim da guerra fria tornou a Grã-Bretanha ainda mais importante
LONDRES – A importância estratégica da Grã-Bretanha não só não está em declínio, como aumentou com a queda do Muro de Berlim. Esta é a opinião do coronel da reserva Andrew Duncan, diretor da área de Informações do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos. Duncan, autor do anuário The Military Balance, o livro de referência do poderio bélico em todo o mundo, realça o papel militar da Grã-Bretanha no cenário internacional. Antes de partir para os EUA para uma avaliação de rotina da indústria de armas americana, o coronel falou ao Estado sobre as perspectivas da “relação especial”.
Estado – O sr. sente um declínio no papel estratégico da Grã-Bretanha? Andrew Duncan – Eu acho que com o fim da guerra fria nossa importância estratégica aumentou em vez de diminuir, porque nós temos enorme experiência em grande parte do mundo que um dia já foi do império britânico. Partes do mundo que os EUA, na verdade, nunca entenderam. O mesmo se aplica à França, não é uma coisa só dos britânicos. Nos tempos da guerra fria era de se esperar que os EUA assumissem a liderança. Mas agora que os conflitos estão se espalhando por toda parte, há áreas em que temos mais influência, somos mais bem-vindos e podemos ser mais úteis do que os EUA.
Estado – Com a queda do Muro de Berlim, não houve uma mudança de eixo na Europa, aumentando o interesse dos EUA pela Alemanha?
Duncan – Acho que é preciso entender que há duas partes da relação especial (EUA-Grã-Bretanha). Há a oficial, que se deu entre os militares, os serviços secretos e os funcionários. E há o lado pessoal, iniciado provavelmente por Winston Churchill e Roosevelt. Este teve um auge tremendo com Margaret Thatcher e Ronald Reagan. E agora parecemos estar num ponto bastante baixo, com Clinton e Major.
Estado – Aparentemente, um dos maiores atrativos da Grã-Bretanha para os EUA sempre foi a disponibilidade britânica de enviar tropas para regiões em conflito. A Alemanha não parece estar buscando esse papel?
Duncan – Discordo radicalmente. Antes de mais nada, porque o país menos inclinado a fornecer tropas são os EUA. E o segundo, ao lado do Japão, é a Alemanha. São a Grã-Bretanha e a França que contribuem com tropas de maneira mais rápida e eficaz. Os EUA, pricipalmente com a nova bancada (de maioria republicana) no Congresso, estão se tornando cada vez mais contrários a participar de operações militares, a menos que, como no caso da Guerra do Golfo, a crise afete o american way of life. Antes, os EUA não queriam participar de nada por causa de sua experiência no Vietnã.
Estado – Mas a Alemanha está mudando sua Constituição e buscando um papel…
Duncan – Muito, muito devagar. E óbvio que eles não podiam tomar parte na Bósnia, por causa da experiência que os sérvios tiveram com os alemães na 2.ª Guerra. Mas a nova regra é que o Bundestag (Parlamento) tem que aprovar os envios de tropas e acho que a idéia na Alemanha é manter as mobilizações num nível mínimo. Isso se aplica também ao Japão, que está muito cauteloso quanto a voltar a ser considerado uma potência militar.
Estado – Outro ponto de importância para a Grã-Bretanha é sua cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, e isso não é sustentável, é?
Duncan – Obviamente isso está ameaçado. Acho que todo o conceito do Conselho de Segurança da ONU está um pouco ameaçado e precisa ser rediscutido. Os membros permanentes calham de ser as potências nucleares do mundo. Seria impossível estender as cadeiras permanentes e manter as da Grã-Bretanha e da França. Seriam países demais com poder de veto.
Estado – O sr. acha que o Brasil tem motivos para reivindicar um assento?
Duncan – Claro, mas a lista dos aspirantes é muito grande: Alemanha e Japão, por estarem entre os mais ricos do mundo; Brasil, Nigéria e Índia, por serem os maiores países de suas regiões – e nem todo mundo nessas regiões concorda que eles devam ter assentos permanentes.
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