Grupos paramilitares cobram taxas de extorsão, como mafiosos
BELFAST — A população da Irlanda do Norte é vítima dos dois lados. Os ataques podem vir tanto dos paramilitares do outro grupo quanto dos pertencentes à própria comunidade. Os donos de lojas, empresários e construtores têm que pagar uma taxa de proteção, nos mesmo moldes da máfia. Jovens recrutas batem na parta da casas exigindo doações ou vendendo jornais do respectivo grupo. Mesmo que não simpatizem com os radicais, muitos moradores se sentem intimidados a contribuir.
O assistente social Peter McMahon, que trabalha com a população pobre do lado católico, e atende 160 pessoas por semana, diz que a maioria não apóia os paramilitares. A 100 Metros de seu escritório, na Falls Road, está a sede do Sinn Fein, o braço político do IRA McMahon confirma.as informações de que a chamada “atividade anti-social” dos paramilitares em suas próprias comunidades aumentou depois do cessar-fogo, que ele qualifica de “muito frágil”.
“De nós, os paramilitares nunca tiraram um centavo”, orgulham-se Joshua e Anna Wilson, dois corajosos velhinhos que moram na fronteira entre os lados católico e protéstante de Belfast. Eles também já estiveram na Irlanda. “Fomos tratados como reis”, diz Anua. Os dois eram os únicos protestantes no ônibus de excursão que partiu de Dublin. O motorista anunciou sua presença, e o casal recebeu uma salva de palmas.
Anna é cantora de coral e na semana passada pela primeira vez cantou num coral misto em Falls Road, do lado católico. “Outras pessoas não fariam isso, mas eu me senti muito bem, espero poder voltar lá em breve.” Joshua, fã de Éder Jofre, freqüentava lutas de boxe na juventude, quando fez muitos amigos católicos. “Sou mais popular em Falls Road do que em Shankill Road”, brinca, referindo-se às avenidas que simbolizam, respectivamente, as comunidades católicas e protestante.
Quando se intensificaram os distúrbios, em 1969, Joshua e Anna estavam do lado errado. Eram constantemente visitados pela polícia, que buscava informações de agitadores católicos. Eles foram uma das últimas famílias protestantes a se mudar de Falls Road. Há pouco tempo um velho amigo convidou Joshua para ir visitar seu pai doente, numa área exclusivamente católica. “Gostaria muito, mas não pude ir. É perigoso demais.” Joshua, pintor aposentado, trabalhou num estaleiro nos anos 50 e 60. Era um dos melhores empregos da época. “Ah, lá não entrava católico”, afirma, com uma expressão de amargura. “Aqui os católicos sempre levaram a pior, sempre.”
Joshua e Anna estão divididos quanto ao futuro da Irlanda do Norte. Ele se sente rejeitado pela Grã-Bretanha, e aceitaria se juntar à Irlanda. Se a União Européia injetar dinheiro, a economia pode melhorar.” Anna não concebe a a idéia de deixar de ser britânica. “Minha capital é Londres”, orgulha-se.
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