Para Philip Windsor, ela representou o desequilíbrio entre EUA e Grã-Bretanha
LONDRES – A relação especial entre EUA e Grã-Bretanha foi um desastre para esta última. Ela refletiu o desequilíbrio de poder entre os dois países, que como ideologia pretendia esconder, e atrapalhou assim o desenvolvimento da política extrena britânica. É o que diz o professor Philip Windsor, do Departamento de Relações Internacionais da London School of Economics (LSE), para quem a Alemanha, por outro lado, não tem como sustentar o papel que lhe estão atribuindo no mundo.
Estado – A relação especial está em jogo ou é apenas uma incompatibilidade pessoal entre Clinton e Major?
Philip Windsor – Não creio que seja uma questão pessoal. A relação entre Helmut Schmidt e Jimmy Carter era péssima. Mesmo assim, a Alemanha e os Estados Unidos firmaram acordos muito significativos. Na verdade, a relação especial tem sido um desastre desde o início. O problema entre a Grã-Bretanha e os EUA é a própria relação especial. Começou quando Churchill passou a iniciar suas cartas a Roosevelt com “caro amigo”. Roosevelt era o presidente dos EUA perseguindo os interesses americanos. Os EUA davam um apoio pífio à Grã-Bretanha (na 2.ª Guerra), e na verdade mais tarde o Japão fez um favor ao mundo (ao atacar os EUA e os atrair para a guerra). Ao mesmo tempo, os americanos negligenciaram completamente os britânicos em seu programa nuclear, monopolizando a tecnologia. Havia um acordo de pesquisa comum, que simplesmente foi ignorado por Truman. Os EUA nunca abrirão mão de seus interesses nacionais.
Estado – Pelo menos na guerra fria havia interesses comuns…
Windsor – Mas isso não significa relação especial. Por que não ter direitos normais, interesses comuns, confiança mútua? É isso o que os países têm. A Grã-Bretanha diz “vamos ser uma ponte entre a Europa e os EUA”, e na verdade acaba fazendo papel de mensageiro. Eu acho que essa coisa dos telefonemas (de Clinton) não-atendidos (por Major) é muito significativa.
Estado – Mas a Grã-Bretanha não ficaria muito solitária sem pelo menos uma ideologia de relação especial, já que a Alemanha e a França formam uma aliança mais ou menos formal?
Windsor – Depende. No momento, a Alemanha ocupa uma posição muito particular, muito importante. Ela tem uma relação particular com os EUA no que se refere ao futuro do relacionamento da América com a Europa. Clinton já disse várias vezes: “Temos uma relação especial com a Alemanha.” Com relação ao futuro da União Européia, obviamente os alemães têm uma relação especial com a França. E Kohl e Yeltsin certamente concordarão que deve haver uma relação especial entre Alemanha e Rússia. Portanto, a Alemanha é um pivô nessas três conexões. Mas não estou convencido de que a Alemanha possa sustentar esse papel.
Estado – Os EUA são o segundo importador e exportador para a Grã-Bretanha, enquanto que a Grã-Bretanha é o quarto importador e o sexto exportador para os EUA. Esse tipo de desequilíbrio pesa na maneira como um país vê o outro?
Windsor – Não creio que o comércio reflita a qualidade da relação. O que realmente afeta é o peso que os EUA colocam no papel desempenhado pela Grã-Bretanha.
Estado – E como esse papel se compara com o das outras potências européias?
Windsor – A Alemanha é que possui a chave, é o carro-chefe da Europa. Isso está totalmente errado, mas é como é visto.
Estado – Por que está errado?
Windsor – Porque a economia alemã está em frangalhos. O nível de produção da ex-RDA caiu cerca de 30% desde a unificação. A produtividade alemã-oriental é comparável à de Portugal, um dos membros mais pobres da União Européia.
Estado – A última grande fabricante de automóveis britânica (Rover) passou para as mãos dos alemães (BMW) e o mais antigo banco mercantil (Barings) foi comprado pelos holandeses (ING). Isso não é declínio?
Windsor – Sim, mas a economia britânica vem decaindo há cerca de um século, não é um fenômeno novo.
Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.