Para vice-diretor de TV, cota inicial de empréstimo não dará nem para Yeltsin cumprir promessa eleitoral
O empréstimo de US$ 10 bilhões ao longo de três anos que o Fundo Monetário Internacional decidiu na semana passada conceder à Rússia terá um efeito muito mais simbólico do que prático, assim como deve impressionar muito mais os grandes grupos econômicos do que o eleitor comum. Essa é a avaliação do professor e jornalista Anatoli Sosnovski, vice-diretor do Canal 1, semi-estatal, maior emissora de TV da Rússia.
Considerando as dimensões da economia russa, os US$ 4 bilhões a ser liberados no primeiro ano não têm como desempenhar um papel determinante. O dinheiro não serviria nem para o presidente Boris Yeltsin cumprir uma de suas promessas de campanha, a de pagar salários e pensões do Estado atrasados – que, segundo Sosnovski, somam US$ 5 bilhões. “De qualquer forma, Yeltsin não pretende cumprir essas promessas”, diz o analista. “Mesmo que quisesse incluir essas dotações no Orçamento, não teria aprovação da Câmara Alta – é pura demagogia.”
É a demonstração de confiança do FMI em Yeltsin que pode contar neste momento. O homem comum na Rússia, no entanto, não se sensibiliza por essas comprovações de prestígio, que fazem sentido na esfera da grande política, sobretudo internacional. De acordo com Sosnovski, a população está preocupada mesmo é com a carestia, a criminalidade. Muitos se sentem marginalizados e humilhados.
Isso explica a chamada onda de nacionalismo e de introspecção que varre a Rússia? “Bobagem”, garante o especialista em política internacional, que foi professor-visitante da USP e da UFRJ entre 1988 e 1993. Esse sentimento de humilhação não se refere à situação do país no contexto internacional do pós-guerra fria, mas a fatores econômicos e sociais internos, às conseqüências das reformas. “O homem do povo não está preocupado com questão de grandeza e orgulho da Rússia, isso é um mito criado pela imprensa e pelos cientistas políticos.”
Segundo o professor, os comunistas, que venceram as eleições parlamentares de dezembro, concentraram-se nas questões sociais. Como explicar então o fenômeno Vladimir Jirinovski, cujo partido neofascista ficou em segundo lugar na votação? “Jirinovski não foi bem votado por ser nacionalista, mas por ser um outsider”, diz Sosnovski. Sua irreverência e seu populismo desbragado atraíram o voto de protesto dos russos exasperados com os políticos tradicionais.
Para fundamentar esse argumento, o analista chama a atenção para o mau desempenho do general Alexander Lebed, um nacionalista “puro”, tido antes da votação como fenômeno eleitoral. O partido de Lebed nem alcançou os 5% dos votos, necessários para preencher cadeiras pelo sistema proporcional.
Sosnovski também considera relativo o peso da guerra na Chechênia na campanha eleitoral. É verdade que a morte de soldados russos na insignificante república muçulmana atinge alguns eleitores em seu apelo básico – o bem-estar e a segurança. Acontece que, quando Yeltsin diz que errou na Chechênia, ninguém sabe o que isso quer dizer: se ele deveria ter sido mais duro na intervenção militar ou se deveria ter investido mais nos esforços diplomáticos. Na verdade, a Chechênia é um não-tema, pois ninguém sabe o que fazer com ela.
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