Brasil vai apoiar ingresso da Rússia na OMC

Declaração conjunta respalda reivindicação brasileira na ONU e prevê aproximação comercial

MOSCOU – Os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Vladimir Putin assinaram ontem no Kremlin uma declaração conjunta, na qual a Rússia formaliza seu respaldo à reivindicação brasileira de se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e, em retribuição, o Brasil apóia a aspiração russa de ingressar na Organização Mundial do Comércio (OMC). Nos discursos após as assinaturas, os dois mecionaram também outro foco de interesse mútuo: a aproximação entre a Rússia e o Mercosul.

Na declaração, os dois governos manifestam interesse em “projetos conjuntos nas áreas de alta tecnologia, como indústria aeronáutica e espacial, telecomunicações, combustíveis e energia, inclusive no desenvolvimento de tecnologias inovadores na área nuclear”. O Brasil tem interesse na transferência de tecnologia russa para o seu Veículo Lançador de Satélites. Em troca, a Rússia usaria a base espacial de Alcântara. Os russos querem vender seus caças Sukhoi ao Brasil, que por sua vez tenta exportar jatos da Embraer.

No grupo de 70 empresários brasileiros que foram a Moscou estão o presidente da Embraer, Maurício Botelho, e o da Avibrás, João Verdi de Carvalho Leite. O ministro da Defesa, Geraldo Quintão, também deve visitar a capital russa logo. A declaração anuncia para breve a assinatura de um memorando de entendimento sobre cooperação em tecnologias militares e informa que os presidentes querem “elevar o relacionamento bilateral ao nível de uma parceria estratégica de longo prazo”.

Em todas as entrevistas desde que chegou, no domingo, Fernando Henrique tem frisado os mesmos pontos de interesse estratégico comuns com a Rússia, que constam do texto assinado ontem: a criação de uma ordem mundial multipolar e de uma globalização “mais justa e simétrica”, e o fortalecimento da ONU e do Conselho de Segurança como instâncias de solução dos conflitos mundiais. Nesses pontos, se entrevê o esforço de dois países grandes, porém ainda em desenvolvimento, para contrabalançar o peso político e econômico dos Estados Unidos.

Fernando Henrique também voltou a defender o controle do fluxo de capitais e a proposta foi encampada pela Rússia na declaração. Em discurso no jantar oferecido por Putin no Kremlin, Fernando Henrique lembrou que “o Brasil e a Rússia foram vítimas da volatilidade do capital financeiro”. E reforçou a importância do Grupo dos 20, do qual participam os chamados países emergentes.

Ele lembrou seu discurso de abertura da Assembléia-Geral da ONU, no ano passado, em que associou o terrorismo ao crime organizado, à lavagem de dinheiro e ao tráfico de drogas, e propôs a eliminação dos paraísos fiscais, cuja existência contribui com essas práticas e com a corrupção. A declaração conjunta adota essa visão.

Em contrapartida, o Brasil apóia a posição russa no embate com os EUA contra a criação do escudo antimísseis. A declaração investe contra “o desmoronamento dos regimes de não-proliferação de armas de destruição de massa” e considera que “o Tratado de Mísseis Antibalísticos constitui um dos pilares do sistema jurídico na área”. No campo da estratégia comercial, além do ingresso da Rússia na OMC, os dois presidentes ressaltam a necessidade de que “os temas agrícolas sejam efetivamente tratados nesta nova rodada” de negociações.

Ao todo, foram firmados quatro documentos. Fernando Henrique e Putin assinaram o Protocolo sobre Troca de Instrumentos de Ratificação do Tratado de Parceria, além da declaração conjunta. Os chanceleres Celso Lafer e Igor Ivanov acertaram o Programa de Intercâmbios Rússia-Brasil para Cultura, Educação e Esportes em 2002. E Lafer e o ministro da Justiça russo, Yuri Chaika, o Tratado de Extradição.

O presidente fez o convite, e o colega russo aceitou, para visitar o Brasil este ano. Depois da cerimônia, Putin, ex-dirigente do serviço secreto russo, saiu do Grande Palácio do Kremlin pela porta da frente, protegido do frio de zero grau e da neve fina com uma esportiva jaqueta vermelha com o nome “Rússia” escrito atrás, no alfabeto cirílico.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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