Para russos, país voltou a ser potência com Putin

Na forma de atuar, ele lembra a antiga União Soviética

BOROVSK, Rússia – A Estrada Kalujskaia, que corre para o Ocidente, remete os russos a um passado glorioso. Foi por aqui que, no inverno de 1812, o exército de Napoleão, ou o que restou dele, bateu em retirada, humilhado, depois de sangrentos enfrentamentos com cossacos, guerrilheiros e soldados russos. Na manhã de segunda-feira, na porta de sua casa na Estrada Kalujskaia, 60 quilômetros a sudoeste de Moscou, o motorista de ônibus aposentado Viktor Kuznossov explica por que gosta do presidente Vladimir Putin. “É muito importante para nós ver a Rússia de cabeça erguida novamente”, diz ele. “Vou votar em Putin”, acrescenta, querendo dizer Dmitri Medvedev, o candidato apoiado pelo presidente.

Os ex-presidentes Mikhail Gorbachev e Boris Yeltsin não são perdoados por muitos russos, o primeiro por ter permitido a desagregação da União Soviética, o segundo por ter entregado a Criméia à Ucrânia. Putin, em contraste, mantém uma política externa agressiva não só diante das ex-repúblicas soviéticas, mas também dos Estados Unidos e da Europa. “O status da Rússia no cenário mundial é muito importante para os russos”, diz Masha Lipman, pesquisadora da Carnegie Endowment em Moscou.

Para Lev Gudkov, diretor do instituto de pesquisas independente Levada Center, Putin “fez a ligação entre a época soviética e a modernidade”. Em muitos sentidos, o presidente representa, para os russos, a recuperação de coisas que os confortavam na antiga URSS, como a segurança, a estabilidade e o status de superpotência, combinadas com a prosperidade econômica e a mobilidade social, inexistentes naquela época.

Na forma de lidar com o poder, Putin também lembra os dirigentes soviéticos – e, antes deles, os czares. Usando métodos que para muitos analistas lembram a KGB, o lendário serviço secreto russo no qual ele se formou, Putin tem eliminado toda oposição liberal, assim como a mídia independente. Restaram os comunistas e nacionalistas, que não vistos como alternativa pela maioria dos eleitores, e que reforçam a posição de Putin, ao cobrar dele ainda mais firmeza na política externa. “É só retórica”, desdenha o deputado Oleg Kulikov, chefe da Comissão de Trabalho Ideológico do Partido Comunista. “Ele entregou a base de Lourdes, em Cuba, que monitorava os lançamentos de foguetes dos EUA. Desmantelou nossa base no Vietnã. Não moderniza as Forças Armadas, que não representam mais ameaça para ninguém.”

Segundo Masha Lipman, a popularidade de Putin se deve a três fatores. “Na Rússia, o líder máximo é visto não como o chefe de Estado, mas como a encarnação do Estado”, diz ela. “Putin está livre de qualquer rival”, continua a pesquisadora. “Ele nunca foi alvo de uma pergunta não-amigável, porque os jornalistas críticos nunca tiveram a oportunidade de se aproximar dele, e a cobertura dedicada a ele em geral é positiva e mais ampla do que a de qualquer outro político.” Além disso, reconhece Masha, “Putin realmente produziu resultados: nunca na história os russos usufruíram de uma melhora tão grande em seu padrão de vida”.

“Os setores que estão se desenvolvendo são só os de petróleo e gás”, critica Sergei Mitrokhin, vereador por Moscou e assessor do dirigente do partido liberal Yabloko, Grigori Yavlinski, um dos líderes de oposição que não se lançaram a presidente por considerar que essas eleições não são “justas”.

Petróleo e gás representam metade do Produto Interno Bruto e três quartos das exportações do país. Entretanto, o governo argumenta que tem investido pesadamente em tecnologia, inclusive com a construção, até 2012, de oito parques industriais de alta tecnologia, chamados Technoparks, no valor de US$ 1,3 bilhão. O governo criou também um “Fundo de Estabilização”, para o qual são destinados royalties cobrados sobre o que ultrapassa US$ 27 por barril de petróleo (atualmente a cerca de US$ 100). Até o fim do ano passado, o fundo já havia acumulado US$ 156 bilhões. É um colchão para suavizar os efeitos de uma queda no preço do petróleo. Pode-se dizer tudo de Putin, menos que ele não pensa no longo prazo.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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