Os resultados oficiais colocavam Putin, na noite de domingo, com 75% dos votos — entre 5 e 10 pontos a mais do que a maioria das pesquisas
Moscou — O presidente Vladimir Putin confirmou a sua vitória esmagadora na sua reeleição presidencial, sem necessidade de segundo turno, como previam as pesquisas. Mais seis anos de Putin significam muitas coisas para a Rússia e para o mundo. Mas, resumindo: é a vitória do dirigismo sobre o liberalismo, da malícia sobre a transparência, da versão sobre o fato, de um meticuloso projeto de permanência no poder sobre a alternância democrática.
Os resultados oficiais preliminares colocavam Putin, na noite deste domingo, com 75% dos votos — entre 5 e 10 pontos a mais do que a maioria das pesquisas. Atrás dele vinha o candidato do Partido Comunista, Pavel Grudinin, com 14%, seguido pelo ultra-nacionalista Vladimir Zhirinovsky (6%) e pelos liberais Ksenia Sobchak e Grigory Yavlinksy, com cerca de 1% cada.
O comparecimento, que numa eleição sem surpresas era o calcanhar de Aquiles de Putin, foi calculado em 60% às 18 horas em Moscou, duas horas antes do fechamento das urnas. Nesse mesmo horário, na eleição presidencial de 2012, estava em 57%, e naquele ano chegou a 65%. O objetivo do governo era um índice de 70%, para não deixar dúvidas sobre a legitimidade do processo.
Nas seções eleitorais, eram distribuídos balões, balinhas e cadernos para colorir para as crianças. Havia bolas e brincadeiras com monitores, como pernas de pau e pranchas para se equilibrar. Alguns funcionários públicos disseram que foram pressionados a ir votar.
Na noite deste domingo na Praça Vermelha, em Moscou, uma comemoração do quarto aniversário da anexação da Crimeia se misturava com a celebração da vitória de Putin. E num certo sentido elas estão mesmo interligadas. Putin escolheu a Crimeia para encerrar sua campanha, na quarta-feira. É bem verdade que ele só falou durante 2 minutos à multidão que esperara durante horas, mas isso é parte de seu show.
Putin não compareceu aos debates entre os candidatos na TV. Em seu lugar, apareciam legendas explicando que o presidente estava em algum compromisso oficial. Ele se apresentou como candidato independente, e não de seu partido, Rússia Unida, e mantém uma distância até de seu próprio governo, que o permite sempre depositar a culpa em algum subordinado quando algo sai errado.
A celebração da Crimeia é simbólica porque ela representa uma das duas fontes de popularidade de Putin, segundo Alexey Levinson, diretor do Levada Center, maior instituto de pesquisas independente da Rússia: ser percebido como alguém que “fala de igual para igual” com as potências ocidentais.
Em 2014, depois da anexação da Crimeia, e também por causa do apoio da Rússia aos separatistas russos étnicos na Ucrânia, Estados Unidos, União Europeia e Austrália, entre outros, impuseram sanções financeiras contra bancos estatais, companhias de petróleo e a indústria de armamentos russa. Putin, claro, não “se curvou às pressões”, e ainda impôs contra-sanções, suspendendo a importação de alimentos daqueles países. A economia russa sofreu com a queda de investimentos, a desvalorização do rublo e o aumento dos preços. Mas em grande medida os russos perdoaram o presidente e viram nisso o custo da “dignidade”, explicou Levinson a EXAME, baseando-se nas pesquisas do Levada.
Nas vésperas da eleição presidencial, novas sanções: a expulsão de 23 diplomatas russos da Inglaterra, por causa do envenenamento do ex-agente duplo Sergei Skripal, e o bloqueio do acesso ao sistema financeiro dos EUA de 19 cidadãos e 5 entidades russas, incluindo o serviço secreto, por interferência na eleição americana de 2016 e tentativas de sabotagens no sistema elétrico. Putin, como sempre, reagiu com reciprocidade, expulsando 23 diplomatas ingleses.
Como já ocorrera com as anteriores, as novas sanções provavelmente não só não diminuíram a popularidade de Putin como podem tê-la aumentado, já que reforçam a imagem de altivez do homem forte da Rússia. O que isso sinaliza para o futuro, que é o que interessa daqui para diante?
Pelos princípios da psicologia comportamental, a lógica de incentivos e castigos aponta para Putin continuar agindo como agiu até aqui. Afinal, sua tática é vencedora, não só no que se refere ao seu público interno.
Ele se saiu bem também em suas três aventuras militares até aqui: a invasão da Geórgia em 2008, para apoiar os separatistas pró-Rússia da Ossétia do Sul e da Abkhazia; a interferência na Ucrânia, desencadeada pela queda do governo depois do veto de Putin ao ingresso do país na União Europeia, que o retiraria da área de influência do Kremlin; e o apoio decisivo ao regime de Bashar Assad, na Síria.
O interessante, do ponto de vista político, é que as intervenções tanto no leste da Ucrânia quanto na Síria não foram assumidas oficialmente. Nos dois países, o governo russo garantiu que os soldados do país flagrados ali tinham ido como “voluntários”, ou como mercenários, ou ainda apenas para assessorar e treinar, não para combate, no caso da Síria. Na semana passada, o jornal independente Novaya Gazeta trouxe uma reportagem mostrando que oficiais russos mortos na Síria comandavam unidades de combate, não de treinamento. Em seus funerais, no entanto, vigorou a lei do silêncio.
Essas versões podem não colar no Ocidente, mas criam uma margem de disputa, pelo menos para o público interno russo, de que não há provas para as alegações usadas pelo Ocidente para “hostilizar” a Rússia. Assim, não passariam de pretexto para pôr em marcha os planos americanos e europeus de reduzir a projeção da Rússia na arena internacional.
Putin repete as mesmas táticas no plano interno. Ele eliminou os opositores verdadeiros, antes que representassem uma ameaça real, com condenações na Justiça por ele controlada. Assim, Alexey Navalny, o advogado que dirige uma fundação que investiga a corrupção no governo, foi condenado por fraude, num processo questionado pela Corte Europeia de Direitos Humanos.
Navalny, que tem certo poder de mobilização pelas redes sociais, pretendia se candidatar a presidente. A condenação serviu de base para a Comissão Eleitoral rejeitar sua inscrição. Mas também para ele ser desmoralizado em sua luta contra a corrupção. Os três canais privados de TV são simpáticos ao governo, e os jornais independentes sofrem pressões para não publicar reportagens que o incomodam. Navalny não teria agora talvez condições de derrotar Putin, mas, aos 41 anos, tem potencial para crescer. O mesmo se poderia dizer de Boris Nemtsov, , líder de manifestações contra o governo, morto a tiros em fevereiro de 2015.
Putin domina as técnicas de encobrir pistas e atuar nas sombras, aprendidas no seu tempo de KGB. E planeja no longo prazo. Até agora, não há sinais de que esteja pensando em um sucessor. Olhando o cenário com os elementos de hoje, nada impediria que ele mudasse as leis e se organizasse para ficar no Kremlin depois de 2024, quando terá 71 anos. Muita coisa, claro, pode acontecer até lá. Mas o quadro é este.
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