Com uma popularidade de 80%, Putin deve ser reeleito no próximo domingo, mas baixo comparecimento e humor do eleitor preocupam o governo
Moscou — Alexandra Savostyanova não sabe ainda em quem votará na eleição presidencial de domingo. Ela está entre a liberal Ksenia Sobchak e o comunista Pavel Grudinin. “É tão triste”, diz Savostyanova, de 31 anos, que trabalha em uma empresa de criação de games didáticos, para os mercados ocidentais, ao falar da situação da Rússia.
Ela conta que sua mãe, de 60 anos, pergunta: “Para que você vai votar?” A desilusão contida na pergunta é o motivo da tristeza de Savostyanova, formada em jornalismo político na Universidade de Pesquisa Nacional, em Moscou.
Com uma popularidade de 80%, segundo o instituto de pesquisa independente Levada Center, de Moscou, o presidente Vladimir Putin, homem forte no país desde 2000, já está reeleito.
A falta de alternância angustia Savostyanova. Assim como a situação no país. À pergunta sobre como está a educação pública, ela pede para seu filho de 7 anos trazer uma tarefa de matemática que a professora lhe passou. Os exercícios são ilegíveis. A folha foi impressa em um cartucho de impressora que deveria ter sido trocado há muito tempo.
“A professora anterior imprimia os exercícios na casa dela. No verão passado, ela pediu demissão. Cansou”, conta Savostyanova, irritada. “A merenda na escola, assim como a comida oferecida nos hospitais, é horrível. O cardápio, e até o prato, são os mesmos desde os anos 70.”
Há cerca de dez anos, conta ela, Putin ordenou um aumento de salário para os professores e o fim da espera nas creches e escolas. A solução encontrada: demitir metade dos professores, juntar as turmas, e elevar a idade mínima de entrada gratuita nas escolas de 3 para 7 anos. Savostyanova paga o equivalente a 60 dólares por mês para que seu filho de 3 anos frequente a escola.
Ela diz que, enquanto o presidente Putin anuncia que a Rússia está gastando bilhões em um arsenal altamente sofisticado, sua mãe, viúva, recebe 10 mil rublos (200 dólares) de pensão. Só de aluguel, em um apartamento de 83 metros quadrados, Savostyanova paga 50 mil rublos. Ela quer ir embora da Rússia. Mas, enquanto estiver em seu país, insiste em votar: “Quero ter uma voz”.
Uma parte expressiva dos eleitores russos gosta de Putin, como mostram as pesquisas do Levada. Outros, como Savostyanova, buscam uma alternativa. Um terceiro grupo, como a mãe dela, nao vê sentido em sair para votar. É difícil culpá-la. Não só pela falta de surpresas no resultado e pela impossibilidade de alternâncias. Mas pelo perfil dos candidatos.
A candidata Ksenia Sobchak,, de 36 anos, é filha de Anatoly Sobchak, que foi professor de Putin no curso de direito da Universidade de Leningrado (hoje São Petersburgo) e lhe deu o seu primeiro cargo público, na prefeitura da cidade, na primeira metade dos anos 90. No início da campanha, ela disse que não faria ataques pessoais ao presidente, em respeito à amizade que o uniu a seu pai.
Ficou conhecida como apresentadora de programas de TV com títulos como “Loira Chocolate”, “Quem não quer ser um milionário”, “Top model na Rússia” e “Vamos nos casar”. Um jornalista russo que morou no Brasil a comparou com a apresentadora Xuxa Meneghel.
Na campanha, tem feito propostas que teriam mais apelo sobre um público da Europa Ocidental do que na conservadora sociedade russa, como por exemplo os direitos dos homossexuais. Sua mensagem geral sugere elevar o padrão de vida dos russos ao dos países ricos europeus — sem explicar exatamente como faria isso.
Sobchak, pelo menos, é coerente. Grudinin já é mais contraditório, como candidato comunista. Ele é um grande empresário, produtor de morangos, e foi acusado pela mídia simpática ao governo de possuir propriedades no exterior, o que é contra a lei, em se tratando de um candidato a presidente. Até mesmo uma parte de seu partido o rejeita, por considerá-lo representante da “burguesia”.
Eleitores como Savostyanova ainda cogitam esses dois candidatos, principalmente porque Sobchak representa valores liberais, em contraposição à aliança do governo com a Igreja Ortodoxa. E porque Grudinin simboliza a valorização dos serviços públicos, como saúde e educação, dos salários e das aposentadorias.
Outro candidato é o nacionalista Vladimir Zhirinovsky, que tem disputado as eleições presidenciais desde 1991, ano da dissolução da União Soviética e introdução da democracia na Rússia. Performático e agressivo, ele é pouco levado a sério. Assim como os comunistas, o seu Partido Liberal Democrata (um nome que guarda pouca relação com sua ideologia) frequentemente apoia o governo no Parlamento.
As pesquisas, em geral, atribuem entre 65% e 70% dos votos para Putin, em torno de 16% para Zhirinovsky, 10% para Grudinin e 2% para Sobchak, empatada tecnicamente com o economista liberal Grigory Yavlinsky, líder do partido Yabloko e autor do Programa 500 Dias, adotado pelo então presidente Mikhail Gorbachev na transição da União Soviética para a economia de mercado, em 1990.
Um candidato que poderia ser levado um pouco mais a sério e que talvez teria mais capacidade de mobilização seria o advogado Alexey Navalny, que dirige a Fundação Anticorrupção e o Partido do Progresso. Navalny se dedica a investigar casos de corrupção no governo, e usa maciçamente a internet para mobilizar ativistas em torno dessa causa, sobretudo jovens.
Em dezembro, no entanto, a Comissão Eleitoral Central rejeitou sua candidatura, alegando que ele foi condenado por fraude pela Justiça. Em 2013, Navalny foi acusado de desviar madeira, no valor de 500 mil dólares, da estatal Kirovles, na região de Kirov. A Corte Europeia de Direitos Humanos considerou que essa e outras condenações de Navalny por fraude violaram o seu direito de defesa.
Navalny, que já foi diversas vezes detido, e afirma ter 200 mil seguidores, lidera uma campanha pelo boicote à eleição de domingo.
Nesse quadro de certeza da vitória de Putin e de desmotivação de muitos eleitores frente à falta de alternativas, o grande desafio do governo é garantir um comparecimento razoável no domingo, para legitimar o processo. A meta é uma participação de 70% e uma igual porcentagem de votos para o presidente.
Para isso, está valendo tudo. Rifas são realizadas em algumas regiões, com prêmios que só serão entregues para quem comparecer às urnas. Plebiscitos sobre temas do cotidiano, que interessam os eleitores, como por exemplo mudança de fuso horário de algumas regiões, foram incorporados à votação. Lanches para os eleitores e balões para as crianças serão distribuídos nas seções eleitorais.
Celebridades como o jogador de hóquei no gelo Alexander Ovechkin e o enxadrista Sergey Karjakin gravaram vídeos convocando os eleitores para votar. Filmes de 3 minutos, gravados com atores profissionais, alertam para os riscos de não ir votar ou procuram mostrar como Putin é um líder sensacional.
Num deles, um homem critica sua mulher porque ela está programando o alarme para acordar no domingo de eleição: “Como se não escolhessem um candidato sem o seu voto”. O personagem adormece e tem um pesadelo com uma Rússia pós-Putin, que faz referências às promessas de seus adversários.
Ele vai até a cozinha e encontra um rapaz, tatuado, pintando as unhas. “Sou um gay acolhido pela família”, justifica-se o jovem.
A mulher do protagonista explica que, “pela nova lei”, os homossexuais rejeitados por suas famílias podem requisitar abrigo noutras casas. Depois o homem encontra o rapaz ao seu lado na cama.
Um oficial e dois soldados, um deles negro, batem na sua porta para convocá-lo para o Exército. Ele responde que tem 52 anos. “Excelente, a idade máxima subiu para 60”, responde o oficial, numa referência a uma proposta de Zhirinovsky. O homem é levado à força.
No único comício de Putin em toda a campanha, no sábado 10, a seleção de hóquei, vitoriosa nos Jogos Olímpicos da Coreia do Sul, subiu ao palanque ao lado do presidente, no Estádio Luzhniki, em Moscou. Putin evita fazer campanha e se apresenta como candidato independente, para se distanciar de seu partido, Rússia Unida.
Nem participou dos debates na televisão com os outros candidatos. Legendas durante os debates explicavam que o presidente estava ocupado naquele horário. Dessa forma, mantém-se acima de todos e se protege de críticas. Pode sempre responsabilizar um membro de seu governo e de seu partido por algo que não está bem.
“Nossos ancestrais viveram aqui, nós vivemos aqui, e é aqui que nossas crianças e netos viverão”, discursou Putin no estádio lotado. Se tudo der certo para Savostyanova, não será mais o caso dela, de seu marido e de seus três filhos.
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