Parlamento destitui presidente da Ucrânia e marca eleição para maio


Após três meses de protestos, cem mortos e mais de mil feridos, Yanukovitch é derrubado e manifestantes tomam pontos estratégicos de Kiev

KIEV – Depois de três meses de manifestações que deixaram cerca de cem mortes e mais de mil feridos, o presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich, deixou ontem a capital, Kiev. O Parlamento aprovou mais tarde a destituição do presidente, considerado “incapaz” de governar, e marcou novas eleições para 25 de maio.

Manifestantes munidos em geral de bastões – embora alguns tenham armas de fogo -, escudos e capacetes tomaram o controle dos pontos estratégicos da cidade, incluindo o gabinete e a residência presidenciais, o Parlamento, o Banco Central e os ministérios. O país, cujo primeiro-ministro, Mykola Azarov, caíra em dezembro, parecia ontem sem governo.

Yanukovich apareceu pela tarde em uma rede local de televisão dizendo que seu carro tinha sido alvo de disparos, mas não aparentava ferimentos, de acordo com a agência Reuters. “Não estou com medo”, declarou o presidente. “Sinto pena do meu país, aterrorizado por gângsters.” Ele acrescentou que viajaria pelo sudeste do país para se encontrar com a população. Aparentemente, a entrevista foi feita em Kharkiv, no nordeste do país. Toda a faixa leste e o sul são considerados redutos do presidente e favoráveis à Rússia.

O comando das Forças Armadas anunciou que não se envolveria na disputa política. “As Forças Armadas da Ucrânia são leais a suas obrigações constitucionais e não podem ser arrastadas para um conflito político interno”, afirmou comunicado publicado ontem no site do Ministério da Defesa.

Durante a noite de sexta para sábado, os manifestantes estreitaram o cerco em torno da Praça da Independência, temendo que, depois de um acordo mediado por países europeus e firmado com a oposição, Yanukovich declarasse estado de emergência e ordenasse a sua retomada pelo Exército.

Kiev amanheceu sob tensão, com os manifestantes arregimentando forças para um possível confronto. Mas os militares não apoiaram o presidente.

O efetivo das Forças Armadas ucranianas é formado pelo serviço militar obrigatório, e os soldados não se mostravam dispostos a cumprir ordens de reprimir a população. Os recrutas chegaram a mobilizar suas mães para se manifestar na frente dos quarteis contra um eventual envolvimento do Exército na repressão. Ela estava a cargo da polícia, que visivelmente não tinha efetivo suficiente para conter os milhares de manifestantes que a enfrentavam com pedras e coquetéis molotov em Kiev e em outras cidades, sobretudo do oeste do país.

A notícia da saída de Yanukovich foi recebida com fogos de artifício na Praça da Independência, epicentro do movimento, às 15 horas em Kiev (!0 horas em Brasília). Ela veio acompanhada do rumor de que a ex-primeira-ministra Yulia Tymoshenko, líder da oposição, teria sido solta da prisão. Mas, segundo sua porta-voz, ela continuava presa.

Yulia foi condenada em 2011 a sete anos de prisão, acusada de desvio de dinheiro em um contrato de gás com a estatal russa Gazprom. Na sexta-feira, o Parlamento aprovou a sua libertação em março. Yulia liderou a chamada Revolução Laranja, em 2004, movimento popular que resultou na anulação da eleição de Yanukovich. Em 2010, ela foi derrotada por ele nas urnas, em uma eleição que segundo os opositores também foi fraudada.

Os deputados elegeram ontem presidente do Parlamento Oleksander Turchynov, dirigente do Partido Pátria, de Yulia. Com as dissidências em massa nos últimos dias em seu Partido das Regiões, Yanukovich perdeu a ampla que tinha no Parlamento.

Cedendo a pressões dos manifestantes e da União Europeia, Yanukovich anunciara concessões na sexta-feira, incluindo mudanças constitucionais para devolver ao Parlamento poderes que ele havia transferido para a presidência, como o de nomear o primeiro-ministro, seu gabinte e os governadores regionais, e a antecipação, para este ano, das eleições presidenciais e parlamentares previstas para 2015. O acordo foi rejeitado pelos manifestantes, que acusaram de traição os principais partidos de oposição, por tê-lo aceitado.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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