Sob forte pressão das ruas e de mediadores europeus, Yanukovitch faz concessões, mas manifestantes continuam na Praça da Independência
KIEV – Em um dia de amplas concessões para tentar aplacar a fúria dos manifestantes que ocupam o centro de Kiev, o presidente ucraniano, Viktor Yanukovitch, aceitou antecipar as eleições e devolver poderes que havia retirado do Parlamento, que, por sua vez, destituiu o ministro do Interior e aprovou a libertação da líder oposicionista e ex-primeira-ministra Yulia Tymoshenko, presa desde 2011. Todos esses gestos, no entanto, não haviam alcançado até ontem à noite o objetivo do presidente, de convencer os manifestantes a desocupar a Praça da Independência.
Depois dos violentos confrontos de quinta-feira, que deixaram dezenas de mortos, Yanukovitch passou a noite de quinta-feira em seu gabinete, cujas janelas estão protegidas por sacos de areia, com os ministros das Relações Exteriores da Alemanha, França e Polônia, além de representantes do presidente russo, Vladimir Putin, cuja pressão para que a Ucrânia não aderisse à União Europeia desencadeou as manifestações em novembro. O gabinete fica a apenas 500 metros da área ocupada pelos milhares de manifestantes que exigem a saída de Yanukovitch.
Às 7h20 de ontem em Kiev (2h20 em Brasília), foi anunciado o “esboço” de acordo, que teve de ser depois referendado pelos principais partidos de oposição. Ele prevê uma reforma da Constituição, para que ela volte à versão de 2004, modificada pelo presidente depois de sua eleição em 2010, quando ele assumiu a prerrogativa, que era até então do Parlamento, de nomear o primeiro-ministro e o seu gabinete. O compromisso prevê que, uma vez aprovada a mudança constitucional, até setembro, sejam realizadas eleições presidenciais e parlamentares – o mais tardar até dezembro. Essas eleições estavam previstas para o ano que vem.
As concessões não convenceram os manifestantes, que relutavam ontem em desocupar a praça (ver nesta página). Um cinegrafista do canal britânico ITN/ITV registrou o chanceler polonês, Radoslaw Sikorski, que participou da mediação, dizendo a manifestantes: “Se vocês não apoiarem isso, terão lei marcial, terão o Exército. Todos vocês morrerão”.
Em seguida, o Parlamento, no qual o presidente detém confortável maioria, votou a saída do ministro do Interior, Vitali Zakharchenko, visto como responsável pela violenta repressão policial, que deixou cerca de 100 mortos, incluindo a ação de franco-atiradores na quinta-feira. E aprovou a libertação de Yulia Tymoshenko, condenada a sete anos de prisão, sob acusação de corrupção em um contrato de fornecimento de gás com a estatal russa Gazprom.
Yulia, uma das empresárias mais ricas da Ucrânia, foi uma das líderes da chamada Revolução Laranja, movimento popular entre novembro de 2004 e janeiro de 2005 que levou à anulação da vitória de Yanukovitch na eleição presidencial. Por pressão dos manifestantes, que como agora ocuparam a Praça da Independência, a Corte Suprema ordenou a recontagem dos votos, resultando na eleição de Viktor Yushchenko. Yulia disputou a eleição presidencial de 2010 com Yanukovitch, mas foi derrotada. Uma imensa foto dela colocada em uma torre domina a praça. Seu partido, União de Todos os Ucranianos-Pátria, é o principal de oposição, e participou das negociações com o presidente.
A situação era tranquila ontem em Kiev. Mas no fim da noite, Dmytro Yarosh, coordenador do grupo ultranacionalista anti-russo Pravyi Sektor (“Setor da Direita”), subiu ao palanque da praça e avisou, sob aplausos, que a frente “não vai depor armas nem desbloquear prédios do governo até a renúncia de Yanukovitch”.
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