Chefe da junta promete eleição presidencial até junho

Anúncio não satisfaz manifestantes, que exigem saída imediata dos militares

CAIRO – Mais de 100 mil manifestantes ocupavam ontem à noite a Praça Tahrir e os seus arredores, no centro do Cairo, quando o marechal Mohamed Hussein Tantawi, chefe da junta militar que governa o país desde fevereiro, apareceu em cadeia nacional de televisão para anunciar a realização de eleição presidencial no máximo até o fim de junho, e acenar com um referendo para decidir se as Forças Armadas devem deixar o poder imediatamente. Em resposta, a multidão, no seu quarto dia de confronto com as forças de segurança, que mataram cerca de 30 pessoas, gritou um sonoro “Erhal” – “Fora!”.

“Desde o primeiro dia, dissemos que realizaríamos eleições e transferiríamos o poder para um governo civil”, lembrou Tantawi, que durante duas décadas foi ministro da Defesa do ex-ditador Hosni Mubarak, derrubado em fevereiro por um movimento semelhante ao que tomou o centro do Cairo e de outras cidades egípcias desde o fim de semana. “As Forças Armadas não aspiram a governar e a por o interesse do país por cima de todas as considerações. Estão prontas para transferir imediatamente a responsabilidade e voltar para sua missão de proteger a pátria, se assim a nação quiser, mediante um referendo popular, se for necessário.”

Até aqui, pelo calendário apresentado pelos militares, o Parlamento eleito em março (em seis turnos, a partir da próxima segunda-feira) apontaria uma assembleia constituinte, que por sua vez teria seis meses para redigir uma Constituição, que seria submetida a referendo. Só depois haveria eleição presidencial – ou seja, provavelmente em 2013, cerca de dois anos depois da queda de Mubarak. Nesse meio tempo, acusam os manifestantes, os militares, instalados no poder desde a ascensão do coronel Gamal Abdel Nasser, em 1952, consolidam suas posições no regime. Dentre as garantias pretendidas pela junta na nova Constituição, segundo um esboço publicado na imprensa, estaria a não ingerência do governo e do Parlamento no orçamento militar.

Tantawi comunicou também que o Conselho Supremo das Forças Armadas, por ele chefiado, aceitou o pedido de renúncia apresentado na segunda-feira pelo gabinete civil, sob a tutela dos militares. A demissão coletiva foi uma reação à violenta repressão aos protestos na Praça Tahrir e nas imediações do Ministério do Interior.

O pronunciamento se seguiu a uma reunião de 5 horas da junta militar com a Irmandade Muçulmana e outros grupos islâmicos. Os partidos seculares, chamados de “liberais”, negaram-se a negociar com a junta, exigindo sua saída incondicional e imediata. Na reunião, segundo informaram participantes, a junta disse ter aceitado a formação de um “gabinete de salvação nacional”.

A onda de protestos começou na sexta-feira, com uma manifestação liderada pela Irmandade Muçulmana, contra o esboço de legislação divulgado, segundo o qual ela escolheria 80 dos 100 constituintes e teria poder de veto sobre artigos da nova Constituição. O grupo islâmico, favorito nas eleições parlamentares marcadas para começar na segunda-feira, teme que os militares bloqueiem artigos que tornem a religião a base da Constituição.

No sábado, depois que uma dúzia de barracas da Irmandade Muçulmana foi queimada pela polícia na Praça Tahrir, milhares de jovens manifestantes seculares, que lideraram a revolução de janeiro e fevereiro, ocuparam o centro do Cairo, enfrentando a polícia e o Exército, que tentaram sem sucesso dispersá-los. A reivindicação passou a ser a imediata saída dos militares. A Irmandade Muçulmana se retirou das ruas, preocupada com a possibilidade de cancelamento das eleições, das quais o grupo, o mais bem organizado do país, deve sair amplamente vitorioso. Já grupos salafistas, de islâmicos mais radicais, uniram-se aos jovens seculares.

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