Confrontos já deixaram 38 mortos

Protestos continuam, apesar do compromisso da junta militar de realizar eleição presidencial até junho

CAIRO – Os confrontos entre a polícia e manifestantes no Cairo e noutras partes do Egito continuaram ontem, elevando para 38 o número de mortos, apesar do compromisso feito na véspera pelo chefe da junta militar, marechal Mohamed Hussein Tantawi, de realizar eleição presidencial até o fim de junho do ano que vem. Os manifestantes, assim como os partidos, exigem que o Conselho Supremo das Forças Armadas se afaste de imediato do poder, permitindo que um “gabinete de salvação nacional” assume o governo efetivamente, livre da tutela militar.

Depois de manter-se afastada por dois dias, concentrando seus esforços em proteger o prédio do Ministério do Interior, a polícia tentou ontem no fim da tarde dispersar com bombas de gás lacrimogêneo os milhares de manifestantes que ocupam a Praça Tahrir, o epicentro da revolução que derrubou em fevereiro o ditador Hosni Mubarak. Às 18h30 (14h30 em Brasília), uma densa nuvem branca cobria o lado leste da praça, cujas ruas dão acesso ao Ministério do Interior. Vários manifestantes asfixiados foram levados para os hospitais em ambulâncias ou em motocicletas para as tendas de socorro médico improvisadas no local. Mas a maioria não arredou da praça, onde muitos se preparavam para passar mais uma noite em vigília.

“Não vou sair daqui até que um civil assuma o governo e que todos os candidatos, de Hazem Abu Ismail (líder islâmico) até Bosayna Kamel (apresentadora de TV), possam concorrer livremente à presidência do país”, disse Mazen Ashur, um desempregado de 30 anos, com um curativo tapando o olho direito, segundo ele ferido há dois dias por um tiro de espingarda de chumbo, disparado por um policial. “A polícia está nos tratando como inimigos.”  Os policiais usam balas de borracha e de chumbo, e há relatos, incluindo de médicos, de vários mortos e feridos por armas de fogo.

O estudante de engenharia Mahmud Mohamed, de 23 anos, estava na linha de frente no embate com a polícia. “Eles chegaram sem dizer nada, já começaram a nos atacar sem parar”, disse Mohamed. “Não vou sair dessa praça enquanto não houver um governo e um presidente civis”, repetiu ele, refletindo o humor da maioria ali presente. Assim como em fevereiro, a combinação de repressão policial e concessões insuficientes feitas na época por Mubarak e agora por Tantawi, seu ex-ministro da Defesa, só tem enfurecido os manifestantes e aumentado o seu número. Na noite de terça-feira, eles ultrapassaram 100 mil pessoas.

Em outra concessão, a junta militar anunciou ontem a libertação de 312 manifestantes detidos desde o início dessa onda de protestos, na sexta-feira. Entretanto, calcula-se que cerca de 12 mil pessoas tenham sido presas por motivos políticos depois da queda de Mubarak em fevereiro. Ontem mesmo a cineasta americana de origem egípcia Jehan Nojaim, que fazia um documentário sobre a revolução, foi presa, segundo informou à Associated Press seu co-produtor, Karim Amer.

A junta militar afirmou também ter ordenado promotores civis a assumir um inquérito iniciado por militares sobre a morte de 27 pessoas, na maioria cristãos, em um protesto no dia 9 de outubro, justamente contra a perseguição a essa minoria religiosa no Egito, que representa cerca de 10% da população. Militares são acusados de envolvimento nas mortes.

Mas nada parece aplacar os egípcios agora, a não ser o afastamento dos militares do poder. “O pronunciamento (de Tantawi) não acrescentou muito à situação”, disse ao Estado Nadim Elias, dirigente do Partido Egípcio da Liberdade, uma das legendas criadas depois da queda de Mubarak. “Queremos uma rápida transição para a autoridade civil. O mais importante é quem estará a cargo do gabinete de salvação nacional.” Elias apoia o nome de Mohamed ElBaradei, ex-diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica. “Foi positivo terem anunciado a realização da eleição presidencial”, admitiu Nader Bakkar, dirigente do partido radical islâmico Al-Nur. “Mas os militares precisam restringir-se à manutenção da ordem e à defesa do país, deixando que um gabinete civil governe sem interferências.”

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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