Entre tragadas, egípcios pedem solução rápida

Frequentadores do Café Al-Sambo reúnem-se ao narguilé para lamentar crise e falta de trabalho

CAIRO – Instalado há tempos imemoriais na Rua Abu Taleb, no coração do Cairo antigo, o Café Al-Sambo se manteve todo o tempo aberto durante os distúrbios que sacodem o Egito desde o dia 25. Os freqüentadores o protegem, e ao mesmo tempo se protegem da solidão nesses dias sem trabalho, reunindo-se ali todos os dias, para fumar narguilé, o tradicional cachimbo de água árabe, e discutir os rumos do país. Frequentado por mecânicos, eletricistas, serralheiros e pequenos comerciantes, o Al-Sambo é um microcosmo da chamada maioria silenciosa, a quase totalidade dos 85 milhões de egípcios que não ocupa as praças do Cairo e das principais cidades do país. Eles apenas esperam.

“O regime egípcio é muito ruim, todo mundo sabe disso”, começa Mohamed Jafar, um mecânico de caminhões e tratores de 51 anos. “Mas também não gostamos do que vemos na Praça Tahrir, porque o trabalho parou. Se não trabalhamos, não comemos. Somos pobres.” Para Jafar, a promessa do presidente Hosni Mubarak de deixar o poder depois da eleição presidencial de setembro e de não tornar seu filho Gamal sucessor é suficiente. “Como posso não acreditar na palavra dele?”, argumenta, referindo-se ao receio dos manifestantes. “Se ele não cumprir, voltamos às ruas. O povo egípcio provou ser mais forte que o Exército e a polícia.”

“Se Mubarak sair agora, o Egito vai se transformar num Iraque, que até hoje não tem presidente (desde a eleição de março)”, teme Saad Savina, de 52 anos, dono de uma serralheria, comparando Mubarak a Saddam Hussein. “É isso o que o Irã e Israel querem: que os árabes permaneçam desunidos, porque unidos eles seriam muito fortes.” O mecânico Saber Jazuli, de 55 anos, adverte: “Se Mubarak deixar o governo agora, o Egito vai mergulhar no caos.”

Em geral, os freqüentadores do Café Al-Sambo elogiam a bravura dos manifestantes da Praça Tahrir. “Eles são muito fortes, muito corajosos”, declara Ramadan Bariz, de 56 anos, que também não fechou sua loja de artigos elétricos em frente ao Al-Sambo durante os distúrbios. Ele conta que levou comida e bebida para os soldados do Exército, que separaram os manifestantes dos ativistas pró-governo que invadiram a praça, provocando uma batalha campal, na semana passada. “Quero mudança”, sintetiza Bariz. Ao contrário de seus amigos, Savina rejeita os protestos. “Quero mudança, mas não dessa maneira”, diz ele. “Sou a favor do diálogo.” Sua preocupação maior é a mesma dos outros freqüentadores do café: a paralisação da economia. “Não falo por mim, tenho pessoas trabalhando para mim.”

“Todo mundo dessa área é pobre, só queremos comida, não temos nada”, enfatiza o eletricista Saleh Kesh, de 61 anos. “Temos medo da desordem se Mubarak sair agora. Vamos esperar até setembro. Se Mubarak for embora, voltamos para a Praça Tahrir. Agora preciso trabalhar.”

Expressando uma mágoa comum entre os egípcios, Jafar lembra que no seu célebre discurso na Universidade do Cairo, em junho de 2009, o presidente americano, Barack Obama, não criticou o regime egípcio. “Se ele sabia que o regime era ruim, por que não disse isso antes?”, pergunta Jafar. “O governo americano obedece a Israel, que acha que Mubarak pode impedir a Irmandade Muçulmana de tomar o poder”, analisa Jazuli.

Os frequentadores do Café Al-Sambo acham que não existe o perigo, em caso de democracia. “Nós egípcios não queremos a imposição das normas do Islã”, asseguram Jafar e Jazuli. “Não queremos mudar nosso estilo de vida. E temos uma minoria cristã que deve ser respeitada.”

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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