Forças Armadas têm a confiança dos egípcios

Especialista aponta que a atuação histórica e a decisão de não reprimir as manifestações fizeram com que os militares conquistassem a população

 

CAIRO

Para olhos latino-americanos, uma junta militar tomando o poder e prometendo reconduzir o país à democracia soa como uma velha história com final infeliz. A confiança dos políticos e analistas egípcios nas boas intenções do Conselho Supremo das Forças Armadas – cujo chefe é o marechal Mohamed Hussein Tantawi, por muito tempo ministro da Defesa de Hosni Mubarak – chega a ser intrigante. Mas especialistas ouvidos pelo Estado explicam que essa confiança é produto da história recente das Forças Armadas – apenas reiterada pelo seu comportamento durante a “revolução” das últimas três semanas.

“A história das Forças Armadas no Egito é muito diferente da América Latina, onde elas são objeto de desconfiança por causa dos golpes seguidos de regimes militares”, diz o cientista político Amr El-Shobaki, doutor pela Sorbonne (França) e presidente do Fórum Árabe por Alternativas, um centro de estudos no Cairo. Segundo ele, embora os três últimos presidentes egípcios, Gamal Abdel Nasser (1956-70), Anwar Sadat (1970-1981) e Hosni Mubarak tenham sido militares, seus governos não foram considerados ditaduras militares. Isso porque, durante todo esse período, incluindo os 30 anos de Mubarak, as Forças Armadas têm passado por um processo de crescente despolitização e profissionalização. Embora profissional, o Exército parece manter a sua ligação com a população por meio do serviço militar obrigatório. 

“Até agora, Mubarak se interpunha entre o povo e o Exército”, analisa El-Shobaki. “A Revolução acabou com essa intermediação.” Ecoando uma visão bastante disseminada no Egito, e que parece confirmada pela experiência das últimas semanas, o cientista político assegura: “É muito difícil o Exército se colocar contra o povo.” Depois de uma semana de protestos, o comando das Forças Armadas divulgou um comunicado advertindo que não reprimiria o povo nas ruas – que soou como a sentença de morte do regime de Mubarak.

El-Shobaki reconhece que há tensões entre a base e a cúpula das Forças Armadas, por causa da disparidade de salários: enquanto um capitão ganha cerca de US$ 400 por mês, o salário de um general varia entre US$ 10 mil e US$ 50 mil. Mas ele diz que isso não afeta a disciplina e o respeito à hieraquia.

 

“Até agora os sinais são de grande coesão nas Forças Armadas”, observa Gamal Abdel Gawad, do Centro Al-Ahram de Estudos Estratégicos e Políticos. “Tantawi não precisa ser substituído porque não disparou contra o povo. E os militares não têm inclinação para governar o país, até porque essa não será uma tarefa fácil. Não é atraente.”

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