Frustração: Mubarak reitera que fica até setembro

Após sinais de renúncia, líder egípcio aferra-se ao poder e delega a vice chefia transição apenas

CAIRO – O presidente Hosni Mubarak frustrou ontem à noite a expectativa de centenas de milhares de egípcios reunidos na Praça Tahrir – e possivelmente de milhões que o assistiam pela televisão – ao reiterar, num pronunciamento à nação, que permanecerá no cargo até as eleições presidenciais de setembro. Mubarak afirmou, sem dar maiores detalhes, que tinha passado “alguns poderes, de acordo com a Constituição”, para o seu recém-nomeado vice-presidente, Omar Suleiman.

O pronunciamento provocou fúria entre os manifestantes, que o assistiram em um telão instalado no principal palanque da praça. “Amanhã (hoje) à tarde marcharemos até o Palácio Presidencial”, gritaram eles, enquanto deixavam a praça. Caso Mubarak não renunciasse, já estava prevista para hoje uma grande manifestação, que não se restringiria à Praça Tahrir, na saída da oração do meio-dia, a principal da sexta-feira, dia do descanso semanal muçulmano. A ideia, disseram os organizadores ao Estado, é ocupar outras praças do Cairo e de outras cidades do país.

O discurso, iniciado às 22h47 no Cairo (18h47 em Brasília), foi precedido de sinais por parte do Exército e do partido do governo de que o presidente renunciaria. Suleiman fez em seguida um pronunciamento também na TV estatal, afirmando que o governo vai “atender a todas as exigências” dos manifestantes, “dentro de um prazo determinado”, e que “a porta está aberta para mais diálogo”.

O discurso de Suleiman deu novo sentido a uma declaração feita mais cedo pelo comandante do Exército na região do Cairo, Hassan al-Roweny. O general compareceu à praça e disse aos manifestantes: “Tudo o que vocês querem será realizado.” Os manifestantes levantaram Al-Roweny no ombro, gritando: “O Exército e o povo estão unidos.”

Mas tanto no discurso de Mubarak quanto no de Suleiman parece ter ficado claro que as exigências serão atendidas dentro do prazo por eles estipulado – ou seja, o presidente só sairá depois da eleição de setembro. “Voltem para casa, voltem para o trabalho”, exortou Suleiman, dirigindo-se aos manifestantes. “Não ouçam canais de TV estrangeiros, cujo objetivo é trazer caos para o Egito.” Mubarak também insistiu mais uma vez nessa tecla: “Nunca sucumbi a pressões internacionais.” A TV estatal difunde constantemente versões de que as manifestações seriam orquestradas por outros países, em especial Israel.

Mubarak reiterou que não se candidatará a presidente em setembro, e que “a vontade do povo será respeitada” na próxima eleição. Ele também prometeu “punir duramente” os responsáveis pela violência contra os manifestantes, que, segundo a ONU, deixou mais de 300 mortos (o governo admite metade disso). “O seu sangue não foi derramado em vão”, dramatizou o presidente.

Pela primeira vez a cúpula das Forças Armadas se reuniu ontem sem a presença do presidente, seu comandante-em-chefe. Antes da visita do general Al-Roweny, o novo presidente do governista Partido Nacional Democrático, Hossam Badrawi, que assumiu o cargo depois que toda a direção se demitiu, para tentar aplacar os protestos, também esteve na Praça Tahrir e deu a entender que Mubarak deixaria o poder. Ele disse que gostaria que o presidente “cumprisse sua promessa, que o Parlamento emendasse a Constituição, e que ele dissesse que entende a legitimidade dos manifestantes e respeita as exigências dos jovens nas ruas”.

 Tudo isso criou enorme expectativa, de que Mubarak renunciaria para não enfrentar a manifestação maciça prevista para hoje. O movimento continuou aumentando ontem, com greves de trabalhadores eclodindo em várias partes do país e em vários setores da economia. Nas indústrias têxteis da província de Mahala, no norte do país, 24 mil trabalhadores cruzaram os braços, exigindo melhores salários e direitos sociais. Os funcionários dos trens que ligam as cidades egípcias também entraram em greve, assim como lixeiros e médicos. Um grupo de profissionais da saúde chegou ontem de manhã à Praça Tahrir, usando seus aventais brancos. Segundo informações, alguns hospitais no Cairo teriam parado de funcionar. Nas redações dos jornais do governo, jornalistas se rebelaram contra seus chefes, exigindo mudanças na linha editorial.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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