Turistas abandonam Egito e guias e comerciantes da região das pirâmides reclamam de protestos
GIZÉ – A comparação se tornou um pouco gasta nos últimos dias, mas parece irresistível: há milhares de anos eles viveram sob o poder esmagador dos faraós, e hoje não veem motivo para tanto alarde em torno do regime de Hosni Mubarak. A população de Guizé, 20 km a sudoeste do Cairo, ao pé das pirâmides de Quéops, Quéfren e Miquerinos, declara amor sincero por Mubarak e teme pelo seu destino sem o presidente, que para eles representa um pai. O pano de fundo desses sentimentos é a paralisia absoluta do turismo, do qual extraem renda muito acima do padrão egípcio, e que representa 11% do PIB do país.
“Amo Mubarak como se fosse meu pai”, diz Noha Al Sevese, de 30 anos, dona de uma loja de perfumes, remédios feitos de plantas medicinais e reproduções de papiros (os egípcios chamam essas lojas de “museus”, embora tudo o que estava nas pirâmides tenha sido levado para o Museu do Cairo). “Antes eu me sentia segura, agora não me sinto mais. Não sei o que vai acontecer. Não durmo à noite.” Noha não consegue entender a revolta dos manifestantes contra o presidente: “O que ele fez contra essa gente? Ele só fez coisas boas, criou fábricas, deu comida.” Ela acredita que os problemas do país vêm dos governos anteriores, de Gamal Abdel Nasser (1956-70) e Anwar Sadat (1970-81).
O desconsolo de Noha se reflete na sua loja vazia. Ela conta que, antes dos protestos, costumava receber 12 ônibus de turistas por dia, e que vendia entre 6 mil libras egípcias (US$ 1 mil) e 10 mil (US$ 1.666). O Egito recebia 100 mil turistas por dia, e quase todos vinham para Guizé, cujas pirâmides são consideradas a primeira das sete maravilhas do mundo antigo. Guizé tem 3.500 dos 70 mil guias turísticos do Egito.
Mohamed Gaber Mosalam, de 20 anos, é um deles. Ele conta que, antes dos protestos, fazia dois tours por dia com turistas a cavalo para a área onde ficam as pirâmides. Recebia, de gorjeta, entre 400 libras egípcias (US$ 66) e 600 (US$ 100) por dia. O dono dos cavalos cobra outros US$ 150 por hora. Muitos egípcios, incluindo funcionários públicos, ganham ao redor de 250 libras egípcias (pouco mais de US$ 40) por mês. Cerca de 40% dos egípcios vivem com menos de US$ 2 por dia. Mosalam investe na sua carreira pagando 3.500 libras egípcias (US$ 583) por ano para estudar turismo na Pharaoh Academy, no Cairo.
“Todos nós aqui gostamos muito de Mubarak”, atesta Mosalam, que, como muitos egípcios, considera que o Egito venceu Israel na guerra de 1973 e que Mubarak, então comandante da Força Aérea, foi seu grande herói. “Os subordinados dele é que eram ruins.” O guia diz que gosta dos militares, porque são “organizados e disciplinados”, mas não de políticos civis.” Mosalam deseja que Omar Suleiman, o ex-chefe do serviço secreto recém-nomeado vice-presidente, torne-se o novo presidente do Egito.
Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.