Pressionado, presidente egípcio tenta mostrar normalidade aparecendo na TV em reunião com seus ministros; oposição acusa governo de forjar comunicado conjunto
CAIRO – Numa clara tentativa de aumentar seu respaldo popular, em meio aos protestos pela saída do presidente Hosni Mubarak, o governo egípcio anunciou ontem um aumento de 15% nos salários e aposentadorias do funcionalismo, a partir de abril. O Egito tem 6 milhões de funcionários públicos, numa população de 85 milhões. A maioria reclama de salários baixos. Dois funcionários do Ministério da Cultura disseram receber 250 libras egípcias, ou cerca de US$ 40 por mês. O aluguel de um apartamento pequeno no Cairo custa 400 libras.
De acordo com o novo ministro das Finanças, Samir Radwan, o aumento custará US$ 960 milhões a mais por mês. Antes dos distúrbios, as contas externas do Egito já estavam pressionadas pelo aumento dos preços internacionais dos alimentos. O Egito importa praticamente todo o alimento que consome. A crise foi agravada pela onda de protestos que paralisou o país e interrompeu duas de suas principais fontes de receita: o turismo, que representa 11% do Produto Interno Bruto, e as remessas de dinheiro por egípcios que vivem no exterior – outros 4%.
Daí a pressa do governo em reabrir os bancos, o que começou a ocorrer gradualmente a partir de domingo (o Egito observa a sexta-feira como o dia de descanso semanal muçulmano). O comércio também começou a reabrir gradualmente ontem no Cairo, embora a maioria das lojas e escritórios do centro ainda permaneça fechada.
A ocupação da Praça Tahrir por milhares de manifestantes, apesar de várias tentativas do Exército de desocupar pelo menos as ruas e avenidas que a cruzam, aumenta a confusão no já caótico trânsito da cidade de 18 milhões de habitantes. Noutra medida destinada a impulsionar o retorno à normalidade, o governo reduziu o toque de recolher, das 16h às 8h para as 20h às 6h.
Noutra concessão à oposição e aos manifestantes, o Ministério Público obteve o congelamento dos depósitos bancários do ex-ministro do Interior Habib Al-Adli, que foi proibido de sair do país. Al-Adli, um dos símbolos da repressão do regime, foi substituído por Mahmud Wagdi, general da polícia como ele.
Mas a sensação entre os oposicionistas e manifestantes é de que pode mudar pouca coisa. Famílias de manifestantes relataram a fontes ouvidas pelo Estado que homens do aparato de segurança do regime, vestidos à paisana, têm batido na porta das casas e perguntado sobre o seu paradeiro. Os manifestantes temem que, se voltarem para a casa, serão alvo da fúria do regime.
O líder da Irmandade Muçulmana, Essam al-Erian, afirmou ontem que o suposto “comunicado conjunto” divulgado pelo governo depois da reunião de domingo foi redigido depois que os representantes da oposição saíram. Os oposicionistas, assim como os manifestantes que ocupam a Praça Tahrir, no centro do Cairo, reafirmaram a sua principal exigência – a saída imediata do presidente Hosni Mubarak, no poder há 30 anos.
Indiferente às reclamações, Mubarak reuniu-se ontem pela primeira vez com seu novo gabinete. A TV estatal exibiu imagens do presidente conversando sorridente com seu vice, Omar Suleiman – ex-chefe do serviço secreto, que conduz as negociações com a oposição -, com o primeiro-ministro Ahmed Shafiq e com o ministro da Defesa, Hussein Tantawi. A imagem, assim como o imenso retrato a óleo de Mubarak na sala de reuniões em que se realizam as conversações com a oposição, parece destinada a mostrar que o presidente continua no comando.
Os manifestantes, muitos acampados na praça, garantem que não vão sair enquanto Mubarak permanecer no cargo. Os organizadores prometem até um aumento no número de manifestantes, tentando repetir a aglomeração de 1 milhão de pessoas, somando todas as cidades, ocorrida há uma semana.
Os manifestantes dizem que não se pode confiar nas promessas de Mubarak de realizar eleições justas e livres em setembro. Eles lembram que o presidente fez a mesma promessa no ano passado, nas eleições parlamentares de dezembro, e o resultado foi considerado fraudado. O Partido Nacional Democrático, que apoia o governo, ficou com 83% das 518 cadeiras. O restante foi para o Wafd, que faz oposição branda ao governo e até recentemente era presidido pelo irmão do ministro da Agricultura.
Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.